Monday, August 29, 2005

Tendo a Lua

Hoje joguei tanta coisa fora
Vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora.
A casa fica bem melhor assim

Paralamas. Falar o que mais dos Paralamas? Coisa de meus últimos dias, da última semana, passado se desfazendo e "desassombrando". Liberdade é coisa diferente do que a gente imagina, ela sempre vai exigir muito mais da gente do que pensávamos quando não a possuíamos. Corta-se um pedaço da personalidade, como se, da noite por dia, nossos pés tivessem sido cortados e, a partir de agora, tivéssemos um par de asas. O que fazer quando você não tem mais pés e ainda parecem estranhas aquelas duas asas nas suas costas? Asas sem jeito, sem camisa que as cubra, denunciando a diferença, pondo exposta o que você realmente é naquele momento. Mas ambas tem funcionalidade, a gente vai aprendendo, vê que dá pra flutuar, que não é necessário subir aos altos céus, aos 10.000 metros de altitude, vendo tudo pequeno, lá da distância. Coisa de gente louca.

Sunday, August 28, 2005

Deu no jornal

Na manchete, algo pouco comum, um tipo de notícia cuja informação caberia a uma simples nota, de poucas linhas. Sim, a noite, por motivos cardíacos, tinha morrido um poeta, desses que talvez ficasse conhecido mais pelo título dado por aqueles que pouco sabiam realmente de poesia que propriamente pelo que ele escrevia. É, tinha coração o tal poeta, tentado a virar poeta beat, poetizando sua vida crua de ser humano. Todo o resto seria fantasia na tal vida do tal escrevinhador. Caira, sem alarde, no chão, ganhando um ferimento na cabeça ao atingir o mármore frio. Se ele não tivesse morrido do ataque cardíaco, provavelmente carregaria para o resto de seus dias uma cicatriz. Externada, na testa, ela ficaria cravada no cérebro tal qual uma raiz com múltiplas ramificações. Uma cicatriz tão profunda que, se retirada por um cirurgião plástico continuaria crescendo para dentro e voltaria a ser objeto de decoração.

Mas havia algo de extraordinário naquela morte. O corpo tinha sumido logo na primeira noite. Segundo alguns funcionários da morgue, acometidos de alucinações noturnas, típicas de trabalhadores desse tipo de estabelecimento, ele tinha saído andando. Diziam que o homem parecia mais escuro que antes, tinha também olhos um pouco menos brilhantes que de um vivo, de uma coloração sobrenatural-esverdeada.

Friday, August 26, 2005

Personalidade

Um embolado novelo de linha
Que distendido corta.
E fere e se auto-fere e se imola
E se perde, perde a hora,
O momento, o encontro.

Personalidade, um ninho de fiapos,
Catados e ajuntados ao longo de outra linha
Que começa, corta e termina.

Desejo

Caso entendas essa poesia
chama-me,
ou caso não possas
mas queiras fazê-lo,
ainda sim, chama-me
pois me conheces
por conheceres
o que há de humano
em todos os versos.

Thursday, August 25, 2005

Auto-análise

Enquanto a vida se desdobra
eu vejo a lua nova.
Escurece a noite
e eu fecho a porta.
Do meu canto recluso
olho então para o céu
que todavia ainda não existe.

Olho para o mundo
eu estou em todo ele.
Sem olhar de verdade
vejo um quarto vazio
e meu silêncio dizendo:
ainda é cedo.

Virão outras luas,
outros sentimentos
outros rostos.
Eu serei outro
mas na semente o mesmo
dormirá sonhando.

Noutro dia
eu vejo a lua cheia.
Esclarece a noite
e eu abro a porta.
Olho para cima
e existe céu
céu além dos prédios,
céu além de mim.
Eu não olho para mim
há todo um mundo;
então meu silêncio cessa
e eu grito: - identidade -
essa é a hora.