Friday, September 29, 2006

O Sol

Napoleão, Caetano Veloso, Mick Jagger, Mário Andrade, Ney Matogrosso, Bruna Lombardi, C G Jung. Líderes, artistas e poetas nascidos sob a regência de Apolo, o Sol. Leoninos, altivos e abertos para a vida, todos tocados para a arte. No tarot, é a carta XIX, a plena consciência e realização dos objetivos... depois que se atravessa o rio, o inconsciente, no arcano da Lua, chega-se à outra margem, iluminada.

E o outro lado do rio é, como diz Guimarães Rosa, "bem diferente do que se esperava". O outro lado do rio é um encontro, com a beleza que somente as coisas inesperadas possuem, que acontece apesar de haver tanto desencontro nessa vida. Eu encontrei, depois de atravessar o rio, na outra margem, alguém que me fez parar. Um encontro de olhares que é quase um reconhecimento, vindo com toda a força do que existe naturalmente.

Agora, pouco me importam os leoninos que citei acima. O que eu vejo, à minha frente, são dois olhos castanhos, entreabertos, convites para as pausas que vivem no passar de páginas dos volumes das Mil e Uma Noites...

Pausas que não pedem nomes, apenas a livre vontade de se fazer presente no momento. Momento que passa rápido, deixando um rastro de perfume e saudade em seu percalço. Saudade de quem, por algum tempo, aprendeu o que é partilhar o ar, que vem perfumado.

Wednesday, September 27, 2006

Sobre cafés e canções

Hoje canto em nome dos cafés e canções do mundo. Canto pela vida, que, conforme diz Vinícius de Morais, "é a arte do encontro". Se os encontros dessa arte acontecem por acaso ou por destino, pouco importa, ambos são igualmente belos. O destino ou acaso sorriem.

Eu canto pela eternidade, que rompe o véu do mundo e se revela de súbito e delicadamente, na plena natureza das coisas. E alguém poderia perguntar: Mas que força é essa que pode romper assim, de tal forma inegável, o tempo, maior força que rege o mundo?

Minha resposta caberia em poucas palavras: Um beijo destrói o tempo.

Tuesday, September 19, 2006

bliss

Grandiosidade. Aquele sentido de que se faz parte de algo grandioso, de um mistério sem fim. O véu do mistério, que sempre haverá. Garantia da criação. Enquanto há o véu, impenetrável, existe o mistério. Mas o véu tem frestas e espaços translucidos. O que se vê, além dela, quando um facho de luz atravessa o mundo e a poeira, suspensa, permite que o facho seja visto? Ai vive a criação. Ai, nesse espaço, vive o poeta. Ah! Sempre existe um espaço entre a tal realidade e a vida humana! O desvelamento é parcial... mas quando algo se desvela, quando a dualidade das coisas cede, por um momento, algo inexplicável e maravilhoso acontece. Me sinto prestes a iniciar uma religião, tal qual o místico, que, maravilhado, tenta transmitir via teologia, via palavra, para partilhar sua benção, ao resto do mundo. Eu grito!

Me pergunto, com profundidade, que experiências de vida me fazem realmente me sentir vivo? Vivo, profundamente. Em contato com algum nível de realidade de coisas. O caminho, meu caminho. Há pistas. Nas coisas simples ou complicadas, quando, por um momento, o sujeito se sente inteiro. Um casamento em seu mais alto sentido: comunhão, compromisso com o centro da roda e não com as casualidades. Amor fatti. Amor pelo destino. Não só.

Estou como o bêbado que faz algo que o chato regado a coca-cola nunca faria. Mas tal qual bêbado, protegido pelos deuses, seja lá o que eles forem, ou qual nome assumam, ou tal qual o estudante de canto, que tenta lembrar onde, em sua garganta, a nota certa ressoa, a lembrança falha. Pra que pôr palavras? Melhor seria uma metáfora.

A grandiosidade sentida é o reconhecimento de algo como um deus interior. Tal como os indianos, hoje eu poderia saldar cada pessoa com um cumprimento, de mãos unidas como reza, que reconhece no outro uma divindade. Divindades em diálogo, ligados pelo mesmo princípio, unos, se olham REALMENTE nos olhos.

O Camelo, o Leão e a Criança. Sociedade formadora. O Leão contra o Dragão do Você Deve. A Criança, o menino-jesus do Alberto Caeiro, que limpa o nariz na barra do paletó armani.

Sunday, September 03, 2006

Um pouco mais

Suspensão. O momento entre o expirar e o inspirar. Minha hora é essa. Sabe-se que a vida funciona por meio da respiração e que, certamente, após a pausa, segue a vida. Mas a pausa, uma dessas coisas eternas que duram um quase nada de tempo, é fundamental. Sem a pausa, falta à música ritmo. Sem a pausa, não existe o choque com o que é belo. O que seria de uma obra de arte se não houvesse aquele momento em que o observador, tomado, suspira? A pausa é a chance para o suspiro vir à vida.

Um suspiro. Quase nada bem mais sincero e completo que as análises dos críticos ou os apertos de mão em cumprimento pela genialidade da obra. Pausa.

Momento que eu paro e penso: onde foi parar a minha vida? Um olho enxerga o deserto mas o outro vê a árvore e o lago. Quando eu vivo uma árvore vejo que deus, caso exista, é um impressionista. O olho não comporta a complexibilidade do movimento de uma árvore frondosa balançada pelo vento.

Porém, não vim aqui falar de árvores. Vim com o propósito literal e descarado de refletir. Podia ser um arquivo de word, mas me sinto menos sozinho e mais sincero ao saber que alguém pode olhar de fora.

Recebi o dever de pensar nos meus sonhos. A minha pausa foi entre o "ah, tudo bem, vou pensar nos meus sonhos" e o "nossa, eu nem sei o que essa pergunta significa".

Virei uma pequena máquina de resolver problemas materiais. Uma máquina de viver de acordo com o imediatamente. Uma máquina de acordar de manhã, tomar café, trabalhar, almoçar, trabalhar, ir pra casa, pagar contas e dormir. Material e puro. Real e seco. Quando eu busco a realidade das coisas corro o grave risco de encontrar uma hiper-realidade. Uma realidade mais dura do que ela realmente é. Meu desafio, conseguir tornar as coisas mais fáceis.

Um dia cheguei e disse: cansei. Um cansaço de desânimo e acordar de saco cheio. Tudo tão pobre, tudo tão árido. A vida dura. O mundo, é uma merda. Morto o mistério, triste o destino. Uma grande perda para piorar tudo: minha grande amiga, minha mãe, morta. Coisa absurda e sem palavras. Pronto, achei que tinha superado. Nunca. A vida. A dureza da morte.

Entendi porque surgem as religiões, da dor de algo incomensurável, de algo incompatível com o amor que se tem por alguém. A morte é dura. Está em mim tentar ser mais duro que ela. Eu me protejo com o pensamento. "As coisas são o que são." No fundo da aceitação eu queria dizer "não". Eu não quero isso. Mas a barreira do meu querer e sua impossibilidade de realização cedem à realidade. Eu, chorar? Ah, nunca foi algo tão comum quanto agora.

Estou entrando em contato com o que Jung chamaria de minha função inferior: o sentimento. Campo sempre obscuro e complicado mas rico, devido ao seu aspecto sempre nublado. Meu pensamento, minha casa, e eu querendo ficar na chuva. E a função sentimento não entrará nunca na casa. O pensamento é que fará a jornada. Vai se molhar.

Hoje, com toda literalidade, posso dizer: a aceitação da dança da vida está marcada até o fim da minha existência material em mim. Curioso, a vida se faz em som de tambor, ritmica, como um relógio compassado e se desfaz em fogo, se desfaz em espírito.

Falta à minha vida trabalhar não no muro, que já existe, mas nas cores e desenhos do muro. Cabe à mim aprender e não ver só a mesa, mas ver na mesa a experiência e os jantares felizes que se fizeram tendo-a como suporte. Cade construir e transformar o mundo, de um todo material de coisas, um todo rico e dotado de dimensão simbólica. De olhar para o mundo para vivenciá-lo.

Nunca vou negar a dor. Isso seria niilismo. Mas preciso colocá-la em perspectiva e construir para ela contrastes. Ou a vida fica besta. Paradoxalmente, preciso também viver com menos idealismo. Ainda não desci o suficiente para tocar como eu desejo a vida.

Tempo atrás eu acharia essa pergunta idiota demais. Sonhos são coisas de livro americano de auto-ajuda, pautadas pela crença estúpida e inútil de que se deve ser feliz 34 horas por dia. Mas não. Sonho é algo que se tem em vista, um propósito ou algo que te desperta para a vida. Não sei se é o mesmo que Beleza. Talvez meu sonho seja o de cultivar coisas belas sem para isso abrir mão da verdade. Coisa abstrata. Mas quando eu vejo o Saramago, com todo seu ateísmo empedernido, falar que todo dia ele coloca água em suas plantas pela mera possibilidade de ver esse milagre de vida acontecendo, eu não vejo nada abstrato. Eu sinto algo superior, algo menos miserável que uma vida de deserto sem água.

Eu sonho em vivenciar coisas e transformá-las, de preferência, em poesia. Três ou quatro linhas, que em si, dizem tudo. Pequenas mandalas que se fecham, coisas pequenas que, em sua simplicidade, falem um pouco da totalidade. Estou, por fim, querendo me alinhar com o mundo. Mas do meu jeito. Quero trazer para o mundo alguma descoberta nova, um pouco que seja de contribuição para o Zeigst, o espírito do mundo, ser simbólico.

O mundo prático me chama. Mas continuarei.