Friday, February 19, 2016

Dualidade

Pode haver beleza
Em meio ao horror.
Pode haver horror
Em meio à beleza.

Thursday, February 18, 2016

Imagens 2 - Sobre a compaixão

 

Eu nunca o tinha visto chorar. Engraçado que não me lembro de como estava o rosto dele. Era um lamento bem maior, quando se chora com  o corpo, não apenas com os olhos e tudo em nós se torna uma expressão de tristeza. É estranho quando vemos uma de nossas referências dessa forma. 

A partir daí o vi de forma diferente, parece que o entendi melhor, de um jeito mais próximo. E como se a pessoa descesse de um panteão distante e passasse a habitar entre nós.  Entendi também como nos grandes momentos de nossa vida, felizes ou de sofrimento, as palavras nunca são suficientes. 

Certos acontecimentos, marcantes, são grandes demais e habitam o domínio do silêncio, o campo do gesto físico. O desafio de quem escreve é sempre o mesmo: como fazer caber em letras aquilo que é quase inexprimível? E não há como vencer tal desafio. Mais importante que escrever sobre a lua, é olhar para ela. A existência sempre ganha, a vida é maior.

Enquanto eu observava e sentia, também por ser parte daquela família, mal sabia que em alguns anos eu estaria numa situação quase idêntica. Indefeso, me sentindo uma criança, encarando a morte de meu ente mais querido, entendendo, de forma inequívoca e vivencial, a transitoriedade de absolutamente tudo na vida. Foi pra mim "o nada é para sempre" se manifestando pela primeira vez.

Certas imagens nos definem. Além do meu pai, lembro de meu avô também. Havia o caixão pequeno, elevado do chão e ele, alto como era, em um terno preto, sentado numa cadeira, com uma das mãos tocando a borda do esquife. Um gigante por ora vencido. Derrotado pela perda de sua companheira de tantos anos. Se naquele dia senti com ele aquela tristeza, hoje, casado, consigo compreender com clareza o significado daquele momento para ele.

Milan Kundera, em "A Insustentável Leveza do Ser", aponta para uma definição da palavra "compaixão": sentir com, partilhar sentimentos. Creio que essa é a grande tarefa de ser e se tornar humano. A busca do amor real e profundo, não necessariamente romântico, talvez a única forma de se atingir a completude para seres como nós, segundo a psicanálise, definidos pela falta.