O alemão tinha morrido naquele mesmo dia. Sua morte coincidiu com o nascimento da aurora, como se o anúncio de uma nova primavera estivesse exposto, no céu, no clima, produzindo sorrisos e satisfações, envolvendo a todos.
Em torno de um grande ônibus se reunia uma numerosa família. Ouvia-se o burburinho de vozes como as folhas de uma árvore sopradas por um vento gentil e outros sons de objetos como malas, pacotes e presentes esbarrando uns nos outros, farfalhando como um som de fundo de uma bateria de jazz.
Se fosse posta uma câmera no céu, apontada para baixo, mesmo sem que víssemos os rostos e as expressões de cada um deles, perceberíamos que estavam felizes, pois, como uma sinfonia, era óbvia a harmonia, mesmo para ouvidos pouco treinados. Pois se há algo universal, sem dúvida é o sentido da beleza. Esse sentido de beleza se aprofundava além da superfície, era todo um conjunto que simplesmente parecia funcionar.
A casa tinha parede e teto, tinha varanda e dois andares, era uma casa comum, mas que chamava atenção por alguns motivos: tinha janelas muito amplas e portas gigantes, geralmente abertas, prontas para a luz dos dias, mas também para a escuridão que por vezes era irradiada.
Uma frondosa árvore crescia ao lado e quanto o vento resolvia soprar, ela batia os galhos numa das janelas. Um dos anciãos daquela família contava um dia ao neto que a árvore pedia para entrar na casa, pois não gostava de chuvas fortes. Porém ele não podia permitir, as folhas cairiam e sujariam o chão, além do mais, onde já se viu uma árvore que precisa de casa? Era uma árvore talvez medrosa, como um certo leão de uma outra história.
Era uma árvore distinta de todas as outras, a árvore medrosa era da família. Talvez fosse medrosa pois tinha quem a protegesse, talvez nem fosse medrosa, apenas um tanto tímida. De fato, nela foram amarrados balanços de crianças que eram na verdade pedaços de madeira. Ela tinha também tatuagens, eram corações com nomes, eram lembranças de pique esconde.
De quatro em quatro vezes por ano, ela estendia um tapete de folhas alaranjadas, com uma particularidade: elas caiam todas de uma só vez, exatamente no mesmo dia. Nesse dia fazia-se por tradição os casamentos dos membros da família com os membros de outras famílias, era talvez o último dia do outono prenunciando o frio de um inverno rigoroso. Os recém-casados eram forçados a passar por um certo período de reclusão, com dois possíveis efeitos decorrentes disso.
Dizia-se que a árvore tinha o dom de dizer a verdade. Ou o frio e a proximidade confirmavam os votos de matrimônio ou terminavam por quebrar o casamento. A árvore tinha o poder de afirmar se o amor seria realmente infinito enquanto durasse, de afirmar se era verdadeiro e se sobreviveria a um encontro entre duas pessoas.
Quando chegava a primavera, uma gama de novas cores chegava para aquela árvore. Ela era rica não só de verde, mas em variações dele, e em cores marrons, e em tons de terra, e em flores vermelhas e amarelas. À sombra da copa coberta fazia-se churrascos, encontros e rodas de violão. Mas o que de mais importante acontecia era um ritual. Com alguns galhos emprestados da árvore, que provia a todos, fazia-se uma grande fogueira. Aos poucos, chegariam pessoas e cada uma, à sua maneira, tomaria um lugar. Ergueriam taças e copos e canecas, pois tudo era permitido, numa festa que deixaria Baco surpreso, pois além de vinho, havia a cerveja e a aguardente, pois além de risos, haveria suspiros e pequenas e passageiras tristezas, pois além de amizades, floresceriam novos e insuspeitos romances. A fogueira era a metonímia do mundo, pois tudo era possível, cada um olhava por si mesmo mas ouvia com reverência ao outro, dividindo o que a humanidade parecia ter de mais humano.
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