Wednesday, November 29, 2006

I'm alive and vivo muito vivo, vivo, vivo

"I’m alive and vivo muito vivo, vivo, vivo
Feel the sound of music banging in my belly
Know that one day I must die
I’m alive"

Nine out of ten
Caetano Veloso



André C.

Thursday, November 23, 2006

Tudo bem

- Tá tudo bem.

Era o que, entre as lágrimas, se podia ouvir. Lágrimas temerosas, envergonhadas, a princípio, como a água que começa lentamente a correr no leito do rio, quando do fim da seca.

- Mas então, o que aconteceu?

Eu poderia comparar as lágrimas às gotas da chuva criadeira. Aquela chuva que enobrece a terra, trazendo o crescimento das sementes. A chuva que cai porque tem que cair. A chuva que cai para esvaziar as nuvens da cor cinza. A chuva que inaugura uma imensidão azulada.

- Tudo aconteceu. Tudo, mas tudo mesmo, ainda que, aparentemente, tivesse parecendo que fosse nada.

Ainda que houvesse no princípio mudez. Mudez feito o caos do início dos tempos, cravado no vácuo. Mudez que não era falta do que dizer. Mudez da dificuldade de tornar em texto a metáfora. Ah, se pudessemos falar em imagens.

Tentei. Eu griteu lápide! Griteu nuvem negra e raio! Gritei dor. Dor que pede bálsamo. E depois de tanto grito eu consegui sussurar: paz. Vida. Sim.

Eu que pensava que pensar era ruim, descobri que pensar é só pensamento. Trarei tal pensamento nos braços, acalentado, feito o menino jesus do Alberto Caeiro.

André C.

Wednesday, November 22, 2006

Canto

"Porque o instante existe". E vejo a fumaça, dançando no ar. O que eu imagino é essa fumaça, tomando em neblina todo o quarto. Então ela toma forma, saída de Maya, se transforma e vejo alguém. Tornada realidade, faz-se a presença. Então vejo a linha do seu pescoço, assim, curvilínea, e é como se meu olhar brincasse, te descobrindo. É como se meu toque e meu beijo, detalhe por detalhe, pudesse te construir. Adoro essa sua curva do pescoço. Dá vontade de deitar... e então olhar para cima.

Quem eu enxergo? Ah, bastasse a brincadeira de abrir e fechar os olhos, imaginando um mundo ficar mais triste, no escuro, e então mais feliz, pois a luz te revela. Vejo sempre um jeito de sorrir, combinado perfeitamente com um jeito de olhar com olhos entreabertos. Ouço música, de Chico Buarque: “é na soma do seu olhar / que eu vou me conhecer inteiro. / Se nasci pra enfrentar o mar”.

Fico pensando o que há por detrás dessas duas janelas. Mas o que vejo, mesmo que não digam em palavras, me dá a sensação de acolhida. E eu te beijo, e há sempre um pequeno detalhe a descobrir. É um pulo discreto e ai já estou ouvindo sua voz ao pé do ouvido, mais um pouco e te sinto muito próxima.

Deixo que minhas mãos caminhem, que meu tato também contribua para o seu desenho. Percorro seu corpo, demoro meus dedos em suas costas... há algo de mágico e elétrico no arrepio irradiado da sua pele. Me convida sempre a procura, me surpreendendo. Mistério cantando feito sereia para um curioso do mundo.

E eu ouço o canto que diz que a vida não é sempre luta. Pode ser aventura e descoberta.

Saturday, November 18, 2006

Em potência

Spinoza fala do desenvolvimento humano usando a imagem da árvore. A árvore cresce e se desenvolve, partindo de um centro enraizado para alçar as alturas em seu caminho envergado. Seus galhos, orgânicos, se fazem de forma assimétrica, pois assim é o que cresce naturalmente.

Cada pessoa é assim uma árvore. Ela se desenvolve dentro de suas potencialidades, múltiplas já em sua semente. Tudo o que haverá cabe naquele uno mínimo, talvez as tais 21 gramas que pesam a energia vital de seres humanos. Uma pessoa é uma árvore que vai, ao longo da vida, estendendo seus galhos... o limite é de cada um.

Nem sempre há sol para todos ou nutrientes suficientes para permitir o desenvolvimento ótimo. Muitas vezes a árvore que tinha tudo para definhar floresce, pois, além das regras lógicas, sempre existe a surpresa e o mistério do que é o ser humano. Pois a árvore não é apenas uma árvore, ela é o símbolo da divindade. O símbolo do Ser. O ser é aquilo que, no humano, não pode nunca ser destruído.

O ser é o centro, o Deus que é o arquétipo da totalidade presente em tudo o que vive. A identificação com o ser, o real que não pode ser destruído, é a vivência da experiência mística. O momento presente, quando se quebra a dualidade... não se escuta a quebra da dualidade, mas é poderoso, como o big bang, explodindo silenciosamente no vácuo.

Mas é belo o romper do tempo. Como é belo!

O Ser mora no momento, escondido e sempre presente no agora. O medo de perder o momento e o apego ao que, ilusoriamente, se acredita ter, asfixia e mata o ser. Não permite que a árvore renda flores, que espalham seu cheiro e embelezam a paisagem, nem permite que dê frutos, que poderiam ser lançados livres ao mundo.

O momento é uma pétala, o momento é uma rosa. Na natureza das coisas, ele surge e passa, quem teima em mantê-lo preso, enclausurado no caixão da perenidade, vê tal rosa murchar. Rosa que é feita para abrir-se e libertar-se em queda livre. Tentar impedir a ação da gravidade, permitindo a queda inevitável é o mesmo que calar-se, quando a hora é de canto.

André C.

Monday, November 06, 2006

Onde estão? - Skank

"Abro os braços
Tanta emoção
Quando eu irei te ver?
No jardim, essas rosas
Que eu plantei
Mas eu não sei
Se estão
Mortas ou em botão

Fecho os olhos
Peço para Deus
Que tente entender
Esses versos e prosa
Que eu não sei
Se eu deixei em vão
Tocar a imensidão"

A vida e a sua cadência, ritmo belo, tocado com a maestria de um mestre do choro. E vive a poesia, desafiando o limite da palavra, apontando com o dedo em riste, para quem lê, um belo céu de eternidade.

Um brinde ao momento, que canta feliz: "sou o sempre".

André C.

Thursday, November 02, 2006

Caverna

O Baghavad Gita diz: "tudo o que é real não pode ser destruído." Ontem eu estava pensando nisso, buscando em mim tudo o que há que não me pode ser tirado. Fiz o exercício de me imaginar despido de várias coisas, até o último elemento. Queria e quero encontrar todos os elementos realmente meus, independentes de algo além de mim.

Fui cortanto a carne aos poucos. Sem meu trabalho, sem minha família, sem meu carro, sem mulheres, sem o curso de faculdade, sem amigos, sem conhecidos, sem minha deficiência, sem cadeira de rodas, sem histórias, sem livros, sem apartamento, sem pessoas, sem chuva, dias de sol, sem mundo externo. Sem nada que não coubesse inteiramente em mim. Buscando, em meu centro, aquela esfera indestrutível que sempre me acompanha, que sempre esteve lá.

Nesse ponto, vejo que não tenho nada. A parte disso, sou um monte de coisas.

Nada nem ninguém pode me tirar: minha imaginação, minha experiência e vivências nesse mundo, minha busca pela beleza, minha sempre afiada imaginação, meu corpo. Minha energia, que me circula todo o tempo. Minha poesia e minha expressão. Minha liberdade.

Havia um dragão negro que morava na caverna. Ele tinha tesouros e guardava uma donzela. Mas de nada podia desfrutar: nem dos tesouros muito menos da donzela. Sua missão: guardar e guardar e guardar. Ele era pesado e tinha asas curtas, preso firmemente no chão. Pois eu o vi se transformar, escama por escama, em prata, seu corpo transmutado no de um dragão chinês. Eu o vi partir da caverna, serpenteando aéreo, carregando o herói e a donzela, para longe.

Descobri que a caverna, agora iluminada, não era simples pedra, era na verdade um imenso templo, marcado pela quase eternidade pelas habilidosas mãos de um artista primitivo. Ali aprenderam os feiticeiros a conversar com os pássaros e reverenciar os grandes poderes. Ali, no ventre profundo da terra, se aprendem os símbolos que conduzem à vida.

André C.

Wednesday, November 01, 2006

Bem-aventurança

"Pondo-se no encalço da sua bem-aventurança, você se coloca numa espécie de trilha que esteve aí o tempo todo, à sua espera, e a vida que você tem de viver é essa mesma que você está vivendo. Onde quer que esteja - se estiver no encalço da sua bem-aventurança, estará desfrutando aquele frescor, aquela vida intensa dentro de você, o tempo todo."Joseph Campbell

Isso é eternidade, sonho de viver com brilho perene no olhar.

Preenchendo feito água o curso do rio que é só seu.

André C.