Wednesday, June 14, 2006

Sonhos

O sonho tem uma importância enorme para todas as sociedades, arcaicas ou modernas. Para os aborígenes, houve um tempo antes do tempo, o Dreamtime, ou Tempo do Sonho, quando os espíritos ancestrais caminhavam sobre a terra. Brahma, o deus criador Hindú, cria o mundo usando como matéria os sonhos de Vishnu, o deus que dorme. Para a psicanálise, os sonhos são construtos do inconsciente, formas de realizar desejos não realizados conscientemente, repetições de ações feitas durante a vigília ou mensagens codificadas.

É bem comum que, quando se sonha, não se compreenda o sonho. Substituições, metáforas e misturas de elementos são comuns na tecitura onírica. Os sonhos complexos, de primeira, parecem desconexos e sem sentido. Acontece de só se compreender uma ou outra peça e se compor uma idéia geral a partir dos fragmentos muito tempo depois. Essa forma de compreensão me surge como insight, uma consciência repentina aparentemente ilógica.

Num primeiro sonho, há meses, vi um cavalo marrom, de semblante tranquilo, preso numa gaiola de zoológico. Quando o vejo, choro e o sentimento é de reencontrar algo que tinha se perdido. Dois meninos, meio demônios, riem de mim.

No segundo sonho, aparece um menino, mudo, com dificuldade de andar, que sou eu. A mãe, como uma secretaria de executivo, fala por ele. Conversa com um fisioterapeuta, que é um ator de cinema que eu tinha visto no IR dias antes. "Ele não aceita andar de cadeira de rodas" diz ela. "Mas vai ter que usá-la, não tem jeito" diz ele.

Então vejo um cavalo branco, num campo de futebol, correndo para o gol, prestes a atingir uma das traves. Outras pessoas, banqueiros e apostadores, observam. O cavalo está livre e transmutado, mas vai bater a cabeça e se machucar inutilmente. O cavalo, símbolo de força, virilidade e direcionamento, está sem cavaleiro. Está abandonado.

De que serviria o cavalo contra o Dragão, sem São Jorge? Alguém deve carregar a lança e conduzir o cavalo, símbolo da força instintiva purificada, contra o Dragão, na visão católica um símbolo do ego devorador e da sombra que não foi integrada à consciência. O cavaleiro é, assim, a consciência que direciona a força primal. No tarô, O Carro, carta do arquétipo do herói

Mas o cavaleiro não aceita, no meu sonho, a incumbência. O menino se julga inadequado para conduzir tal força e se recusa a aceitar a realidade: ele não poderá ser um cavaleiro como os outros. Como a realidade é negada, o menino nunca vai crescer e se tornar homem. Se sagrar cavaleiro, direcionar a própria vida, que está parada.

Uma mensagem do inconsciente que me parece assim, clara. Aceitar a realidade, sentir a dor de um rito de passagem, transmutar-se e assumir de vez o cavalo.

1 comment:

Anonymous said...

É engraçado...
Nenhum aprendizado se faz sem dor.
Entendo os ascestas que buscam na dor fisica a iluminação espiritual.
Nada de verdadeiramente grande se faz sem uma parcela de dor. É ela a responsável por nos tirar do nosso cásulo, do nosso conforto e nos impulsionar.
Vencendo-a, nos tornamos grandes.
Ao que não pode ser modificado, resta ser aceito, e isso gera a maior parcela de dor.
Aceitar o que nos é oriundo, e conviver com o que não é...
bju lindo