Saturday, December 17, 2005

O que eu acredito, parte 1

Eu sempre quis escrever um texto sobre minhas crenças, como uma forma de sistematizar a confusão que é a minha cabeça. Não o fiz por insegurança e por falta de autoconhecimento suficiente. Hoje, me sinto mais preparado e, além disso, pronto a observar em meu texto as incoerências e refletir com elas. Quando eu escrevo, sinto que estou escrevendo para um observador. O mais estranho é, conforme me confirmam os sonhos que ando tendo e insights que por vez ou outra acontecem, que o observador externo sou eu mesmo. Uma questão sempre importante para mim foi a relação entre eu e o mundo. Entre a individualidade e a coletividade, entre o ouvir e o dizer, as trocas entre pessoas e ambiente social. Nunca cheguei a um bom termo mas acabei descobrindo que o meio, o muro, em que vivo me encontrando, não é a divisa entre eu e o mundo, mas antes entre instâncias minhas, próprias. Para o bem ou para o mal, descobri a minha capacidade de viver bem sozinho, mesmo que o observador tenha um olhar estranho de reprovação a essa atitude. Curioso saber que tudo isso que eu digo não é certeza, é uma hipótese, ainda que apoiada na lógica e na experiência. Escrevo a que vim dizer nesse texto, mesmo que eu saiba que já estou dizendo desde a primeira linha.

Encontrei hoje uma música chamada "be yourself" do Hawkwind, de rock progressivo/vanguardista dos anos 70. Tenho ouvido uma segunda de mesmo titulo, do Audioslave. Aparentemente, esse imperativo do seja você mesmo, que eu entendia em agir de acordo com o que se sentia, sendo raiva ou alegria, só tem sentido no relaxamento. Ser eu mesmo só é possível deixando-se de lado grande parte dos complexos e das categorizações a que me submeto. Ser eu mesmo é quase uma coisa Zen, no sentido de se estar colocado no momento, sem barreiras no caminho. No meu caso, apesar de não ser um filósofo ou pensador do irracionalismo, é alinhar o pensamento com o desejo, apontar as setas para o mesmo lado.

Minhas neuras são mais comuns, creio, do que minha vaidade gostaria. Unicidade, ser único e totalmente individual. Ser percebido pelo outro, independente da forma, se bem ou mal, diferente então de agir para ser bem visto. De acordo com isso, ser percebido, ainda que ganhando uma pedrada como resposta. Necessidade de provar dignidade e capacidade, através de respostas sempre imediatas, pautadas normalmente pela agressividade. Marte era então meu deus mais importante, ávido por uma guerra, ávido por sentir o sangue correr. Via meu comportamento como o oposto disso, então sempre uma nova dose era necessária. Minha independência, nunca o suficiente, sempre alinhada com a necessidade de provar que eu não dependia de ninguém, considerando ai subjugar a dependênciá física, impossível dado meu dia a dia e minha cadeira de rodas. Antes morrer que estender a mão. Hoje é engraçado perceber que ela é mais que suficiente, tanto que acabei ficando dependente do ideal de independência. Fundamentos de um viver individualmente.

Partes constituintes, boas e ruins. Agressividade vem bem à mão se bem empregada, principalmente para aplicar bons sustos didáticos. Independência que manteve minhas capacidades de investigar e procurar as coisas com meus olhos, num casamento da Dama da Liberdade, do quadro de Delacroix sobre a revolução francesa, com São Tomé. QUe me deu um jeito próprio de ver as coisas. Que me fez perceber que trivialidade demais cansa. Que me fez ver e derrotar a minha necessidade de julgamentos, geralmente descidos como raios sobre eu mesmo.

QUe me permitiu estar fora de certas regras tidas como comuns. Acredito que, tudo que é possível, faz parte do mundo e dai é natural. Natural sem julgamento moral, pois assim por fim é a realidade, a parte de conceitos. Por exemplo, que homens e mulheres tem os mesmos desejos e que não existem papéis determinados a priori. Nem todos são caçadores, nem todas são gazelas prontas a serem abatidas. Admiro assim as mulheres livres, muitas vezes taxadas por julgamentos hipócritas. Acredito em todas as possibilidades de relacionamento, fora da monogamia, dentro da poligamia, poliandria, casamento em grupos e etc. Tudo é possível quando a gente pensa na variedade de pessoas que existe por ai. Não há imperativo biológico na determinação de sexos e toda a miríade que parte da heterossexualidade à homossexualidade é possível, dependendo apenas dos desejos de cada um. Sem certo ou errado, obedecendo o preceiro de que, se algo é possível na natureza, logo é natural. Admiro um mundo que talvez um dia se construa nas diferenças individuais e no entendimento que não há melhor ou pior, desde que não se cometa um crime deliberado contra alguém.

Acredito que as ideologias estão mortas, que revoluções levam à mera transferência de propriedade, e que as consciências, de forma geral avançam. Não por causa de um deus e não numa evolução dentro da estúpida lógica racionalista ou metafísica, mas por que o tempo passa e o arcabouço de possibilidades para o espírito do mundo se amplia. Caso não haja evolução da maioria, pelo menos individualmente ou em pequenos grupos isso é perfeitamente possível, bastando empenho em, talvez, sair do campo de conhecimento da realidade cotidiana e imediata. O mundo é esse e não outro. Pretendo trabalhar para aumentar minha capacidade e meu poder de construir a minha realidade, com ou sem outras pessoas. Paro por aqui, por enquanto (continua...)

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