Nada de Novo no Front,
ou meus pensamentos sobre o Direito, o Estado e outros assuntos
Eu acredito na amoralidade da natureza e, considerando o homem parte dela, o vejo originalmente da mesma forma. O homem não é bom nem mal por natureza, ele é homem simplesmente. Quando alguém diz que o homem é mal ou bom por natureza, ao julgar suas ações, esquece que daí já está julgando algo que não tem valor moral por princípio.
Pois se assim fizesse, caberia que o julgamento fosse estendido à toda natureza, dizendo-se, por exemplo, que o leão é naturalmente mal, pois mata outro ser para sobreviver. E come os filhotes da fêmea que não são seus próprios filhos, ato que moralmente seria condenado.
Não advogo aqui, porém, o fim do Direito. Ao dizer que o homem não é bom nem mal por natureza, dou primazia portanto a escolha que ele tem nas próprias ações. Digo sim que não há algo como direito que emana da natureza, que poderia ser deduzido somente se se admitisse um julgamento moral dela.
As ações do homem são assim consideradas boas ou más não seguindo uma regra universal, como dizem as religiões cegas, incapazes de enxergar a realidade de suas bases, que não vem de deus em forma de escrituras, mas antes nasceram das sociedades em que se inseriam originalmente.
As ações de um sujeito são consideradas nocivas ou positivas quando colocadas num contexto social, pela necessidade de se manter em acordo um grupo de pessoas. A noção de bem e mal tem como base o efeito que uma ação tem no indivíduo e na sociedade.
Concordo que, coletivamente, deve-se determinar regras mínimas de convivência e civilidade, desde que se veja esse todo coletivo desprovido de personalidade, sem criação de vantagens personalizadas. Aqui entra a idéia de igualdade para todos, submetidos às mesmas regras.
No entanto, quando se pensa num sujeito individualmente, as noções e limites se tornam mais complicadas. Se o direito coletivo deve garantir a sobrevivência de todos e a inclusão de sujeitos na vida do trabalho, da justiça e no trato com o outro, não deve haver individualmente um julgamento das escolhas que um sujeito faz para si mesmo.
Nesse ponto venho a defender as escolhas individuais de crenças, pensamentos e expressões de idéias próprias, além do direito a coisas como o suicídio e o aborto, colocados à parte do poder coletivo de instituições. Defendo que a moral nesse ponto é desprezível, pois nada quer dizer. Aqui entra então a idéia de liberdade.
Certamente seria ridículo pensar que um indivíduo é uma ilha, que não sofre nem exerce influência no meio externo a ele. Que não sofre e exerce pressões sobre o que se tem por moral e imoral. No entanto, aqui está seu direito soberano a exercer essas influências, o que permite um caráter de trocas dinâmicas no interior da sociedade.
Nada de novo, apenas a estruturação dos meus pensamentos. Curioso escrever e se descobrir alinhado com os valores da sociedade, mas vou um pouco além.
Que novos direitos eu posso então defender? O casamento de homossexuais e a adoção de filhos por parte deles. A liberdade de ir e vir e o acesso ao trabalho das pessoas com deficiência. A liberdade de qualquer expressão, por pior que ela possa parecer.
No entanto, aqui poderia haver uma contradição. UM sujeito tem direito a agir contra outra pessoa motivada por crenças individuais em, por exemplo, superioridade da raça? Ele pode muito bem pensar o que quiser e mesmo se expressar dessa forma, mas de forma alguma impedir um negro, por exemplo, de trabalhar em sua própria empresa ou sequer cometer qualquer violência que fique caracterizada como crime.
Chego a outro ponto que me faz pensar. Entendo bem o que quer dizer direito igual para todos. Ainda que, como a maioria das pessoas, eu tenha ódio pessoal contra nazistas, e por menores que sejam esses grupos, eu não tenho o direito de agredí-los em seu direito de organização uma vez que eles se mantenham no campo das idéias.
Mas posso protestar e conduzir ações legais contra eles na medida em que, por exemplo, eu veja uma infiltração desses elementos no Estado, transformando idéias em, por exemplo, leis racistas, que valorizem um único grupo em detrimento de outros.
Uma segunda contradição que me faz pensar. Por exemplo, quando se determina que deve haver cotas de trabalho para pessoas com deficiência, se está favorecendo assim um grupo de pessoas. Dentro da lógica que sigo, isso fugiria dela?
Não. Pois se um dos princípios do direito coletivo e consequentemente do Estado que mantêm o direito, é garantir um acesso coletivo ao trabalho, e se essas condições não se produzem naturalmente, a lógica diz que deve haver uma intervenção de forma a manter a igualdade de condições.
Igualar condições não significa criar postos de trabalho que tolerem a ineficiência. Mas apenas criar as condições materiais para que todos possam produzir eficientemente e garantir rendas próprias, de forma a garantir a própria autonomia.
Nisso entra o que vi uma arquiteta dizendo sobre mudar o paradigma que se tem de deficiência. A deficiência não deve ser vista em sua dimensão estritamente médica, nem como atribuição exclusiva da pessoa com deficiência, o que a tornaria inútil e permitiria a segregação. A deficiência deve ser vista socialmente, como algo que surge na vida de uma pessoa na medida em que não se obedeceu o preceito de acessibilidade à estruturas.
Por exemplo, quando duas pessoas andam por uma rua calçada, uma a pé e a outra se utilizando de uma cadeira de rodas, elas se encontram em igualdade de condições e a deficiência não impede o desempenho das mesmas funções. No entanto, ambos decidindo ir para um restaurante e havendo escadas nesse recinto, surge a deficiência como elemento limitador. Não por uma característica inerente à deficiência, mas mais por falta de acesso físico.
Então fica ai a pergunta. É papel do Estado e do Direito compensar quando possível as desigualdades sociais? Claro, ainda dentro dos valores que determinam uma sociedade civilizada como uma que permite a participação de todos. Aqui está o princípio da diversidade. Tendo isso como princípio o verdadeiro problema será de que forma esse estado deverá intervir.
Essa forma de intervir tem que, obviamente, ser funcional e seu grau de funcionalidade será determinado, é claro, pelo ambiente em que tal ação tomará lugar.
O Estado nessa concepção é um organismo que funciona como apêndice e paralelo de um mundo externo, e que deve intervir o mínimo possível, mas sem deixar de cumprir certos princípios regulatórios e compensatórios. Não é papel dele, por exemplo, fazer revoluções, que, se surgirem, deverão acontecer de outras formas. E revoluções que venham a usurpar o Estado só se justificam caso o Estado tenha se enfraquecido e se torne ineficiente em seu papel e caso se possa colocar algo melhor e mais eficiente no lugar, tendo por base principios semelhantes.
Portanto, num mundo Capitalista, o Estado tem que compreender o mundo Capitalista e não se perder em sonhos que não sigam o mundo em seu estágio de existência atual. Portando o direito e o estado tem que analisar o mundo como ele é, dessa forma criando políticas e ações funcionais para cumprir seus princípios, como uma empresa que tem sua missão, baseada em princípios que por sua vez determinam os objetivos e as ações para cumprí-los de forma eficiente.
Ë simples, o Estado não se pode colocar acima de seus princípios nem se colocar acima do mundo, que por fim, tem suas estruturas que nasceram de forma espontânea. A arrogância de alguns partidos e governantes é notória, ao considerarem que tudo que nasce na sociedade é fruto da maldade a da distorção oriunda, por exemplo, de uma determinada ideologia. Isso é considerar todo o mundo ignorante e a totalidade de seus cidadãos como sujeitos completamentes desprovidos de personalidade e desejos próprios.
Num mundo como o nosso, a primeira coisa é garantir à todos o acesso as condições de vida que permitam que cada um tenha a própria autonomia material. O Estado, tendo ação sobre a matéria, e não a mundos metafísicos, deve portanto agir sobre as coisas materiais. Eu rejeito portanto governos fundamentalistas (orientais ou ocidentais) por serem incapazes de viver no mundo que se tem conhecimento.
Ter condições de subsistência significa ter renda, ter renda através do trabalho feito, salvo na incapacidade comprovada de desempenhá-lo. Qual trabalho será desempenhado passa pela escolha individual consciente. Trabalho que deve ser respeitado e tornado produtivo através do acesso de todos à educaçao, nos níveis adequados para cada atividade necessária. Creio que independente do que o sujeito faça, ele deve receber pelo menos um salário mínimo que garanta uma existência digna.
Não vejo porque não deva haver classes. Para mim pouco importa que as pessoas tenham classes econômicas diversas. O que é intragável é a brutal diferença que a gente abraça na sociedade, fruto não do esforço individual, uma última fuga daqueles que tentam justificar tais diferenças, mas das condições desiguais. Que ao menos fosse dado a todo mundo acesso à mesma base de educação e portas livres para trabalho, pois dai cada um definiria quanto de trabalho e de dinheiro seria necessário para si.
Seria ridículo dizer que trabalhos com características e graus de complexidade distintos devem ser remunerados igualmente. Claro que não, trabalhos devem ser remunerados de acordo com regras de mercado, obedecendo critérios de níveis técnicos exigidos e demandas. O papel do Estado é não permitir que tal remuneração individual ultrapasse um limite mínimo digno nem um máximo que subtraia de outros segmentos recursos importantes.
Trabalhos diferentes exigem níveis de educação diferentes. Uns menos, outros mais, ainda sim, de alguma forma úteis. Se o valor em dinheiro é diferente, não deveria porém haver valor moral diferente. Deve-se respeitar a pessoa e não o dinheiro que ela carrega no bolso. Qual a diferença entre um lixeiro e um banqueiro, como pessoas? Tanto um quanto o outro podem ser canalhas anti-éticos ou pessoas justas e honestas.
Pensar em educação e trabalho envolve uma grande quantidade de temas, como escolas, universidades, institutos de treinamento, crédito para desenvolvimento de empresas de todos os tamanhos, estudos sobre empreendedorismo e incentivo à criatividade individual, estudos sobre como lidar com dinheiro, ensino de valores como independência e autonomia, pensamento crítico, autoconhecimento e realização profissional, cidadania empresaria, responsabilidade social e terceiro setor, leis e regulamentos, comunicação interpessoal e relacionamentos, ética, criação de cenários, finanças, investimento, planejamento de longo prazo, acessibilidade e design universal, entre muitos outros temas.
(continua...)
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