Friday, October 06, 2006

Insustentável?

À frente, uma estrada de vias curvas e pedras cravadas pela passagem do tempo e os cascos dos cavalos. Entre cada rocha, cresce, em forma verde, um pouco de grama, feito uma antiga estrada romana. Em ambos os lados, árvores de variados tamanhos se revezam... cheiro de mato molhado, flores adocicadas pela chuva, eucaliptos. Enquanto se caminha, vê-se que a floresta é povoada. Vivem animais diversos, insetos, cavalos e toda uma população denunciada pelos sons que se entranham na mata. Há pessoas, também, os múltiplos caminhantes e aventureiros ao longo do caminho. Na estrada, vê-se encontros e desencontros, em encruzilhadas e travessias que se cruzam. O caminhante sincero, tem seu caminho e não se desvia. Os que caminham com ele caminham com a sinceridade de quem partilha o caminho.

No céu, à direita, a Lua cheia noturna, declarando aos quatro ventos sua fertilidade, pois tudo cresce e se renova. Sua luz é inspiração de poeta ou de viajante inspirado, que entende seu tamanho frente à grandiosidade das coisas. Este é um aventureiro que não se afirma mar, sendo apenas uma gota. Mas que, reconhecido enquanto gota, se entende como a metonímia do mundo. O microcosmo pulsante que se alinha com o mundo. Sua vida é arte.

À esquerda, o Sol, perene, feito o herói vitorioso que estacionou seus cavalos de fogo no firmamento. A luz da consciência, acesa pela vivência do mundo. A vida, maior e mais sábia que qualquer aventureiro, soma de todas as experiências vividas e não vividas. Potencia máxima, liberta das amarras, feito o leão que mata o dragão do Tu Deves.

O caminho serpenteante em direção ao horizonte, que nunca há de chegar. A morte é o reconhecimento que a vida, pequena, tem valor exatamente por acabar no meio do caminho. Sempre haverá um pouco mais do que se acredita haver.

Minha imagem da liberdade. Um aventureiro que se liberta da carga desnecessária, que não tem armas, apenas olhos que miram a frente. Ao contrário do que diz o livro, a Leveza do Ser não há de ser insustentável. Pode-se perfeitamente caminhar livre pelo caminho, agradecendo a surpresa de todas as coisas, que são sempre inesperadas e belas. Mas se tudo é passageiro, o que fica é o eterno gosto da vivência. Há poesia em tudo, desde que se tenha ouvidos. Poesia sem propriedade, que existe para ser olhada e provada, dia após dia. Há liberdade em tudo.

Como diz Manuel Bandeira: "cansei do lirismo que não é libertação". Morto o dragão, tomo de seu pescoço um cálice de sangue e bebo. Me integro aos poderes da natureza. E eu grito, um grito quase inteiro de silêncio. Na floresta da alma eu adentro... Como Odin, entrego em oferenda um dos meus olhos, e assim, ao mesmo tempo que olho para dentro, atento, olho para fora, singrando o tempo.

Quero passar por essa vida como quem corta caminho por dentro de uma mata de espinhos, consciente que há, além de tudo, uma praia e uma montanha, com sombra de árvore para descansar.

André C.

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