Nada de Novo no Front,
ou meus pensamentos sobre o Direito, o Estado e outros assuntos
Eu acredito na amoralidade da natureza e, considerando o homem parte dela, o vejo originalmente da mesma forma. O homem não é bom nem mal por natureza, ele é homem simplesmente. Quando alguém diz que o homem é mal ou bom por natureza, ao julgar suas ações, esquece que daí já está julgando algo que não tem valor moral por princípio.
Pois se assim fizesse, caberia que o julgamento fosse estendido à toda natureza, dizendo-se, por exemplo, que o leão é naturalmente mal, pois mata outro ser para sobreviver. E come os filhotes da fêmea que não são seus próprios filhos, ato que moralmente seria condenado.
Não advogo aqui, porém, o fim do Direito. Ao dizer que o homem não é bom nem mal por natureza, dou primazia portanto a escolha que ele tem nas próprias ações. Digo sim que não há algo como direito que emana da natureza, que poderia ser deduzido somente se se admitisse um julgamento moral dela.
As ações do homem são assim consideradas boas ou más não seguindo uma regra universal, como dizem as religiões cegas, incapazes de enxergar a realidade de suas bases, que não vem de deus em forma de escrituras, mas antes nasceram das sociedades em que se inseriam originalmente.
As ações de um sujeito são consideradas nocivas ou positivas quando colocadas num contexto social, pela necessidade de se manter em acordo um grupo de pessoas. A noção de bem e mal tem como base o efeito que uma ação tem no indivíduo e na sociedade.
Concordo que, coletivamente, deve-se determinar regras mínimas de convivência e civilidade, desde que se veja esse todo coletivo desprovido de personalidade, sem criação de vantagens personalizadas. Aqui entra a idéia de igualdade para todos, submetidos às mesmas regras.
No entanto, quando se pensa num sujeito individualmente, as noções e limites se tornam mais complicadas. Se o direito coletivo deve garantir a sobrevivência de todos e a inclusão de sujeitos na vida do trabalho, da justiça e no trato com o outro, não deve haver individualmente um julgamento das escolhas que um sujeito faz para si mesmo.
Nesse ponto venho a defender as escolhas individuais de crenças, pensamentos e expressões de idéias próprias, além do direito a coisas como o suicídio e o aborto, colocados à parte do poder coletivo de instituições. Defendo que a moral nesse ponto é desprezível, pois nada quer dizer. Aqui entra então a idéia de liberdade.
Certamente seria ridículo pensar que um indivíduo é uma ilha, que não sofre nem exerce influência no meio externo a ele. Que não sofre e exerce pressões sobre o que se tem por moral e imoral. No entanto, aqui está seu direito soberano a exercer essas influências, o que permite um caráter de trocas dinâmicas no interior da sociedade.
Nada de novo, apenas a estruturação dos meus pensamentos. Curioso escrever e se descobrir alinhado com os valores da sociedade, mas vou um pouco além.
Que novos direitos eu posso então defender? O casamento de homossexuais e a adoção de filhos por parte deles. A liberdade de ir e vir e o acesso ao trabalho das pessoas com deficiência. A liberdade de qualquer expressão, por pior que ela possa parecer.
No entanto, aqui poderia haver uma contradição. UM sujeito tem direito a agir contra outra pessoa motivada por crenças individuais em, por exemplo, superioridade da raça? Ele pode muito bem pensar o que quiser e mesmo se expressar dessa forma, mas de forma alguma impedir um negro, por exemplo, de trabalhar em sua própria empresa ou sequer cometer qualquer violência que fique caracterizada como crime.
Chego a outro ponto que me faz pensar. Entendo bem o que quer dizer direito igual para todos. Ainda que, como a maioria das pessoas, eu tenha ódio pessoal contra nazistas, e por menores que sejam esses grupos, eu não tenho o direito de agredí-los em seu direito de organização uma vez que eles se mantenham no campo das idéias.
Mas posso protestar e conduzir ações legais contra eles na medida em que, por exemplo, eu veja uma infiltração desses elementos no Estado, transformando idéias em, por exemplo, leis racistas, que valorizem um único grupo em detrimento de outros.
Uma segunda contradição que me faz pensar. Por exemplo, quando se determina que deve haver cotas de trabalho para pessoas com deficiência, se está favorecendo assim um grupo de pessoas. Dentro da lógica que sigo, isso fugiria dela?
Não. Pois se um dos princípios do direito coletivo e consequentemente do Estado que mantêm o direito, é garantir um acesso coletivo ao trabalho, e se essas condições não se produzem naturalmente, a lógica diz que deve haver uma intervenção de forma a manter a igualdade de condições.
Igualar condições não significa criar postos de trabalho que tolerem a ineficiência. Mas apenas criar as condições materiais para que todos possam produzir eficientemente e garantir rendas próprias, de forma a garantir a própria autonomia.
Nisso entra o que vi uma arquiteta dizendo sobre mudar o paradigma que se tem de deficiência. A deficiência não deve ser vista em sua dimensão estritamente médica, nem como atribuição exclusiva da pessoa com deficiência, o que a tornaria inútil e permitiria a segregação. A deficiência deve ser vista socialmente, como algo que surge na vida de uma pessoa na medida em que não se obedeceu o preceito de acessibilidade à estruturas.
Por exemplo, quando duas pessoas andam por uma rua calçada, uma a pé e a outra se utilizando de uma cadeira de rodas, elas se encontram em igualdade de condições e a deficiência não impede o desempenho das mesmas funções. No entanto, ambos decidindo ir para um restaurante e havendo escadas nesse recinto, surge a deficiência como elemento limitador. Não por uma característica inerente à deficiência, mas mais por falta de acesso físico.
Então fica ai a pergunta. É papel do Estado e do Direito compensar quando possível as desigualdades sociais? Claro, ainda dentro dos valores que determinam uma sociedade civilizada como uma que permite a participação de todos. Aqui está o princípio da diversidade. Tendo isso como princípio o verdadeiro problema será de que forma esse estado deverá intervir.
Essa forma de intervir tem que, obviamente, ser funcional e seu grau de funcionalidade será determinado, é claro, pelo ambiente em que tal ação tomará lugar.
O Estado nessa concepção é um organismo que funciona como apêndice e paralelo de um mundo externo, e que deve intervir o mínimo possível, mas sem deixar de cumprir certos princípios regulatórios e compensatórios. Não é papel dele, por exemplo, fazer revoluções, que, se surgirem, deverão acontecer de outras formas. E revoluções que venham a usurpar o Estado só se justificam caso o Estado tenha se enfraquecido e se torne ineficiente em seu papel e caso se possa colocar algo melhor e mais eficiente no lugar, tendo por base principios semelhantes.
Portanto, num mundo Capitalista, o Estado tem que compreender o mundo Capitalista e não se perder em sonhos que não sigam o mundo em seu estágio de existência atual. Portando o direito e o estado tem que analisar o mundo como ele é, dessa forma criando políticas e ações funcionais para cumprir seus princípios, como uma empresa que tem sua missão, baseada em princípios que por sua vez determinam os objetivos e as ações para cumprí-los de forma eficiente.
Ë simples, o Estado não se pode colocar acima de seus princípios nem se colocar acima do mundo, que por fim, tem suas estruturas que nasceram de forma espontânea. A arrogância de alguns partidos e governantes é notória, ao considerarem que tudo que nasce na sociedade é fruto da maldade a da distorção oriunda, por exemplo, de uma determinada ideologia. Isso é considerar todo o mundo ignorante e a totalidade de seus cidadãos como sujeitos completamentes desprovidos de personalidade e desejos próprios.
Num mundo como o nosso, a primeira coisa é garantir à todos o acesso as condições de vida que permitam que cada um tenha a própria autonomia material. O Estado, tendo ação sobre a matéria, e não a mundos metafísicos, deve portanto agir sobre as coisas materiais. Eu rejeito portanto governos fundamentalistas (orientais ou ocidentais) por serem incapazes de viver no mundo que se tem conhecimento.
Ter condições de subsistência significa ter renda, ter renda através do trabalho feito, salvo na incapacidade comprovada de desempenhá-lo. Qual trabalho será desempenhado passa pela escolha individual consciente. Trabalho que deve ser respeitado e tornado produtivo através do acesso de todos à educaçao, nos níveis adequados para cada atividade necessária. Creio que independente do que o sujeito faça, ele deve receber pelo menos um salário mínimo que garanta uma existência digna.
Não vejo porque não deva haver classes. Para mim pouco importa que as pessoas tenham classes econômicas diversas. O que é intragável é a brutal diferença que a gente abraça na sociedade, fruto não do esforço individual, uma última fuga daqueles que tentam justificar tais diferenças, mas das condições desiguais. Que ao menos fosse dado a todo mundo acesso à mesma base de educação e portas livres para trabalho, pois dai cada um definiria quanto de trabalho e de dinheiro seria necessário para si.
Seria ridículo dizer que trabalhos com características e graus de complexidade distintos devem ser remunerados igualmente. Claro que não, trabalhos devem ser remunerados de acordo com regras de mercado, obedecendo critérios de níveis técnicos exigidos e demandas. O papel do Estado é não permitir que tal remuneração individual ultrapasse um limite mínimo digno nem um máximo que subtraia de outros segmentos recursos importantes.
Trabalhos diferentes exigem níveis de educação diferentes. Uns menos, outros mais, ainda sim, de alguma forma úteis. Se o valor em dinheiro é diferente, não deveria porém haver valor moral diferente. Deve-se respeitar a pessoa e não o dinheiro que ela carrega no bolso. Qual a diferença entre um lixeiro e um banqueiro, como pessoas? Tanto um quanto o outro podem ser canalhas anti-éticos ou pessoas justas e honestas.
Pensar em educação e trabalho envolve uma grande quantidade de temas, como escolas, universidades, institutos de treinamento, crédito para desenvolvimento de empresas de todos os tamanhos, estudos sobre empreendedorismo e incentivo à criatividade individual, estudos sobre como lidar com dinheiro, ensino de valores como independência e autonomia, pensamento crítico, autoconhecimento e realização profissional, cidadania empresaria, responsabilidade social e terceiro setor, leis e regulamentos, comunicação interpessoal e relacionamentos, ética, criação de cenários, finanças, investimento, planejamento de longo prazo, acessibilidade e design universal, entre muitos outros temas.
(continua...)
Blog pessoal de André Camargos, publicitário por profissão e escritor por hobby. Textos diversos como poemas. crônicas, críticas de livros e sugestões de leitura.
Tuesday, December 27, 2005
Monday, December 26, 2005
O que eu acredito, parte 2
Acho que ideologias não fazem mais sentido, não do jeito que eu vejo estruturado em movimentos e partidos, como comunistas, socialistas e mesmo capitalistas. Burgueses e trabalhadores, ricos e pobres. Não sei mesmo se a idéia de esquerda faz sentido. Acho que não. Acho que muita gente se diz de esquerda por conveniência, por achar mais bonito dizer que é de esquerda. Por acreditar que a esquerda é a parte mais justa e libertária. Isso é uma imensa bobagem. Os valores de justiça, liberdade, autonomia e busca por felicidade não pertencem a ideologia nenhuma, existem por si mesmas.
Estruturalmente, pode-se dizer que o capitalismo venceu. Venceu como se tivesse havido uma guerra e o capitalismo, pai de todos os males, tivesse derrotado uma tendência boazinha e natural do ser humano.
Qualquer um que analisar a história, ir até antes da Grécia e Roma, vai perceber que o dinheiro, os mercados, o Estado e o capitalismo nasceram de forma espontânea. Nas atividades diárias de grupos diversos. Vale destacar que “espontâneo” e “natural” nada tem a ver com julgamento de valores. Para o bem ou mal, não existe um estágio de vida mais inocente a ser recuperado. Não há paraíso nem cristão nem anarquista a ser retomado.
O mundo seguiu o caminho que tinha que seguir e assim continuará sendo, independente do que se diga. As coisas se constroem com o tempo e o desenvolvimento do pensamento humano, e a participação individual do homem é mais um abraçar dos valores do tempo em que ele vive, que propriamente um agir revolucionário. O homem age dentro dos valores do próprio tempo e o que ele pode fazer é adiantar o devir, procurando descobrir que novos valores o mundo e o tempo virá pedir dele.
Quando eu digo isso quero dizer que sim, vivemos num mundo capitalista, mas afirmo também que esse capitalismo em si já de transformou. Quando a gente enxerga as tendências de responsabilidade social, por exemplo, que é basicamente a injeção de valores mais humanos na existência do capital, o que a gente vê na verdade é uma abertura.
O que eu percebo hoje é que abraçar o próprio tempo é necessário. Que teimar em agarrar-se a um passado é uma atitude profundamente anacrônica e além de tudo, pouco útil. Pouco faz para diminuir as diferenças sociais entre indivíduos, porque se permite atrasar ainda mais a promoção de melhorias para todos, pois tudo fica sempre para depois de uma eventual revolução.
O mundo é em parte uma realidade da qual não se pode escapar e em parte os valores que a gente injeta no mundo através de nossa ação cotidiana. Um híbrido entre o que temos disponível e a nossa força de promover o devir.
Creio hoje que é necessário diminuir as desigualdades. Pelo simples fato de haver gente que ainda morre de fome e não tem recursos para se manter com dignidade. E fico sim horrorizado quando ouço notícias de gente comprando bolsas de vinte mil reais, por considerar injusto. Creio que se um sujeito pobre pudesse viver bem, com condições dignas, a existência desses tão ricos não me incomodaria nem um pouco. A lógica é bem simples: se os recursos somam 100, se um cara tem 99, o outro necessariamente vai ter 1. Se 50 a 50 não é possível, então que pelo menos, em vez de 99, o sujeito rico tivesse 70, sobrando 30 pro outro.
O que é necessário é que esse sujeito que tem 0 ou só 1, tivesse um tanto mais para que pudesse viver de forma independente e digna. O que faz um sujeito ter recursos para viver? Acho que a resposta é simples: renda. E como ele obtem renda? Através de um trabalho qualificado e pago com justiça. E como ele consegue isso? Através da educação. Por fim, tem-se assim, a busca da solução através da geração de trabalho e renda.
Creio que, a princípio, deve-se estabelecer um sistema de ensino que transmita conhecimentos técnicos em faculdades e que prepare o jovem para trabalhar com um mundo mais pragmático. Que ele aprenda mais coisa que possa ser aplicada diretamente na realidade. Que ele aprenda a entender melhor as demandas profissionais do mundo, de forma a poder ter recursos para, num primeiro passo, resolver suas necessidades materiais.
Por que primeiro passo? Porque satisfeitas as necessidades básicas, de subsistência, de fundo material, o sujeito poderá partir para novas buscas. Resolvida a necessidade material básica, cada um estará livre para buscar os valores que realmente importam para sua vida individual. Promover mudanças e transmitir valores novos para as próximas gerações, num efeito multiplicador.
Está longe do mundo utópico perfeito, em que cada pessoa estará livre e terá conhecimento suficiente para escolher o próprio caminho. Em que a tecnologia será pensada antes de ser adotada num frisson estúpido. Em que cada sujeito poderá se voltar para si mesmo, tendo apoio de outras pessoas, na busca de seus próprios significados. Mas é o começo. É o rumo que o rio segue. É a forma como as coisas são, à parte do ressentimento contra um mundo que não tenha respondido às nossas expectativas.
Estruturalmente, pode-se dizer que o capitalismo venceu. Venceu como se tivesse havido uma guerra e o capitalismo, pai de todos os males, tivesse derrotado uma tendência boazinha e natural do ser humano.
Qualquer um que analisar a história, ir até antes da Grécia e Roma, vai perceber que o dinheiro, os mercados, o Estado e o capitalismo nasceram de forma espontânea. Nas atividades diárias de grupos diversos. Vale destacar que “espontâneo” e “natural” nada tem a ver com julgamento de valores. Para o bem ou mal, não existe um estágio de vida mais inocente a ser recuperado. Não há paraíso nem cristão nem anarquista a ser retomado.
O mundo seguiu o caminho que tinha que seguir e assim continuará sendo, independente do que se diga. As coisas se constroem com o tempo e o desenvolvimento do pensamento humano, e a participação individual do homem é mais um abraçar dos valores do tempo em que ele vive, que propriamente um agir revolucionário. O homem age dentro dos valores do próprio tempo e o que ele pode fazer é adiantar o devir, procurando descobrir que novos valores o mundo e o tempo virá pedir dele.
Quando eu digo isso quero dizer que sim, vivemos num mundo capitalista, mas afirmo também que esse capitalismo em si já de transformou. Quando a gente enxerga as tendências de responsabilidade social, por exemplo, que é basicamente a injeção de valores mais humanos na existência do capital, o que a gente vê na verdade é uma abertura.
O que eu percebo hoje é que abraçar o próprio tempo é necessário. Que teimar em agarrar-se a um passado é uma atitude profundamente anacrônica e além de tudo, pouco útil. Pouco faz para diminuir as diferenças sociais entre indivíduos, porque se permite atrasar ainda mais a promoção de melhorias para todos, pois tudo fica sempre para depois de uma eventual revolução.
O mundo é em parte uma realidade da qual não se pode escapar e em parte os valores que a gente injeta no mundo através de nossa ação cotidiana. Um híbrido entre o que temos disponível e a nossa força de promover o devir.
Creio hoje que é necessário diminuir as desigualdades. Pelo simples fato de haver gente que ainda morre de fome e não tem recursos para se manter com dignidade. E fico sim horrorizado quando ouço notícias de gente comprando bolsas de vinte mil reais, por considerar injusto. Creio que se um sujeito pobre pudesse viver bem, com condições dignas, a existência desses tão ricos não me incomodaria nem um pouco. A lógica é bem simples: se os recursos somam 100, se um cara tem 99, o outro necessariamente vai ter 1. Se 50 a 50 não é possível, então que pelo menos, em vez de 99, o sujeito rico tivesse 70, sobrando 30 pro outro.
O que é necessário é que esse sujeito que tem 0 ou só 1, tivesse um tanto mais para que pudesse viver de forma independente e digna. O que faz um sujeito ter recursos para viver? Acho que a resposta é simples: renda. E como ele obtem renda? Através de um trabalho qualificado e pago com justiça. E como ele consegue isso? Através da educação. Por fim, tem-se assim, a busca da solução através da geração de trabalho e renda.
Creio que, a princípio, deve-se estabelecer um sistema de ensino que transmita conhecimentos técnicos em faculdades e que prepare o jovem para trabalhar com um mundo mais pragmático. Que ele aprenda mais coisa que possa ser aplicada diretamente na realidade. Que ele aprenda a entender melhor as demandas profissionais do mundo, de forma a poder ter recursos para, num primeiro passo, resolver suas necessidades materiais.
Por que primeiro passo? Porque satisfeitas as necessidades básicas, de subsistência, de fundo material, o sujeito poderá partir para novas buscas. Resolvida a necessidade material básica, cada um estará livre para buscar os valores que realmente importam para sua vida individual. Promover mudanças e transmitir valores novos para as próximas gerações, num efeito multiplicador.
Está longe do mundo utópico perfeito, em que cada pessoa estará livre e terá conhecimento suficiente para escolher o próprio caminho. Em que a tecnologia será pensada antes de ser adotada num frisson estúpido. Em que cada sujeito poderá se voltar para si mesmo, tendo apoio de outras pessoas, na busca de seus próprios significados. Mas é o começo. É o rumo que o rio segue. É a forma como as coisas são, à parte do ressentimento contra um mundo que não tenha respondido às nossas expectativas.
Wednesday, December 21, 2005
Sunday, December 18, 2005
Boa notícia para o Ano Novo
Tem horas que eu paro, com um sorriso meio besta no rosto, percebendo a maravilha de mundo que a gente vive. Descobri com alegria que os níveis de violência, um mal tão terrível para a humanidade, caiu vertiginosamente desde o advento de nossa história, coisa que não é questão de opinião, mas sim, apoiada pela ciência dos números, a nossa bem vinda Estatística.
Pensar que no tempo áureo da matemática um inusitado sábio afirmava que através dos números se poderia chegar a Deus, pois esta era sua linguagem, prova disso foi a descoberta feita de que a escala musical obedecia regras matemáticas de proporção de tamanhos entre cordas. Esse era Pitágoras.
Na Cabala, na busca dos números na Torá, lá encontramos o Aleph, primeira letra, que é também o número 1, o uno, resultado da união de todas as outras letras (ou talvez eu esteja me fiando demais em Borges e no filme Pi.)
A propósito do filme Pi, vale a pena. Lá conhecemos um matemático que vê números em tudo, incluindo ai a proporção áurea, estudada por Leonardo, espalhados na arquitetura e no padrão de crescimento em espiral de certas plantas.
Mas vejo que estou saindo do assunto, mas eu não podia deixar de mostrar meus préstimos à sabedoria e o misticismo dos números, para embasar minha tese (que, por fim não é minha, mas gentilmente roubada de um amigo).
Nos primórdios, de cada 2 pessoas no mundo, 1 era assassina. Isso mesmo, 50% da população era então criminosa, mas não apenas por um crime qualquer, como assalto à mão armada (que seria um pouco difícil com uma pedra ou tacape, mas enfim), pois era o pior dos crimes: homicídio. A outra metade, portanto, seguindo a lógica, era vítima desse crime horrendo. Sim, é isso mesmo! Se 50% da população era de homicidas, a outra metade era de assassinados. Com esse fato demonstro também que a aplicação de penas conforme o direito passou por uma grande evolução. Naquele tempo, a única punição para um homicida era a destituição da moradia.
Devo deixar registrado meu maravilhamento. Desde os tempos de Caim e Abel, melhoramos infinitamente. Estatisticamente, acho que hoje nem 1% da população morre todos os anos.
Referências
Pi (filme)
O Homem de Vitrúvio (quadro)
O Aleph, conto de Jorge Luis Borges
Genesis (Banda... ops, quer dizer, Bíblia)
Pensar que no tempo áureo da matemática um inusitado sábio afirmava que através dos números se poderia chegar a Deus, pois esta era sua linguagem, prova disso foi a descoberta feita de que a escala musical obedecia regras matemáticas de proporção de tamanhos entre cordas. Esse era Pitágoras.
Na Cabala, na busca dos números na Torá, lá encontramos o Aleph, primeira letra, que é também o número 1, o uno, resultado da união de todas as outras letras (ou talvez eu esteja me fiando demais em Borges e no filme Pi.)
A propósito do filme Pi, vale a pena. Lá conhecemos um matemático que vê números em tudo, incluindo ai a proporção áurea, estudada por Leonardo, espalhados na arquitetura e no padrão de crescimento em espiral de certas plantas.
Mas vejo que estou saindo do assunto, mas eu não podia deixar de mostrar meus préstimos à sabedoria e o misticismo dos números, para embasar minha tese (que, por fim não é minha, mas gentilmente roubada de um amigo).
Nos primórdios, de cada 2 pessoas no mundo, 1 era assassina. Isso mesmo, 50% da população era então criminosa, mas não apenas por um crime qualquer, como assalto à mão armada (que seria um pouco difícil com uma pedra ou tacape, mas enfim), pois era o pior dos crimes: homicídio. A outra metade, portanto, seguindo a lógica, era vítima desse crime horrendo. Sim, é isso mesmo! Se 50% da população era de homicidas, a outra metade era de assassinados. Com esse fato demonstro também que a aplicação de penas conforme o direito passou por uma grande evolução. Naquele tempo, a única punição para um homicida era a destituição da moradia.
Devo deixar registrado meu maravilhamento. Desde os tempos de Caim e Abel, melhoramos infinitamente. Estatisticamente, acho que hoje nem 1% da população morre todos os anos.
Referências
Pi (filme)
O Homem de Vitrúvio (quadro)
O Aleph, conto de Jorge Luis Borges
Genesis (Banda... ops, quer dizer, Bíblia)
Saturday, December 17, 2005
Space Is Deep - Hawkwind
Space is dark, it is so endless, when you're lost it's so relentless
It is so big, it is so small, why does man try to act so tall,
Is this the reason deep in our minds.
It does not feel, it does not die, space is neither truth nor lie
Into the void we have to travel, to find the clue which will unravel
Is this the reason deep in our minds
The secret lies with our tomorrow, in each of us is a hidden sorrow
The path goes onward through the night beyond the realms ofancient light.
Is this the reason deep in our minds
It is so big, it is so small, why does man try to act so tall,
Is this the reason deep in our minds.
It does not feel, it does not die, space is neither truth nor lie
Into the void we have to travel, to find the clue which will unravel
Is this the reason deep in our minds
The secret lies with our tomorrow, in each of us is a hidden sorrow
The path goes onward through the night beyond the realms ofancient light.
Is this the reason deep in our minds
O que eu acredito, parte 1
Eu sempre quis escrever um texto sobre minhas crenças, como uma forma de sistematizar a confusão que é a minha cabeça. Não o fiz por insegurança e por falta de autoconhecimento suficiente. Hoje, me sinto mais preparado e, além disso, pronto a observar em meu texto as incoerências e refletir com elas. Quando eu escrevo, sinto que estou escrevendo para um observador. O mais estranho é, conforme me confirmam os sonhos que ando tendo e insights que por vez ou outra acontecem, que o observador externo sou eu mesmo. Uma questão sempre importante para mim foi a relação entre eu e o mundo. Entre a individualidade e a coletividade, entre o ouvir e o dizer, as trocas entre pessoas e ambiente social. Nunca cheguei a um bom termo mas acabei descobrindo que o meio, o muro, em que vivo me encontrando, não é a divisa entre eu e o mundo, mas antes entre instâncias minhas, próprias. Para o bem ou para o mal, descobri a minha capacidade de viver bem sozinho, mesmo que o observador tenha um olhar estranho de reprovação a essa atitude. Curioso saber que tudo isso que eu digo não é certeza, é uma hipótese, ainda que apoiada na lógica e na experiência. Escrevo a que vim dizer nesse texto, mesmo que eu saiba que já estou dizendo desde a primeira linha.
Encontrei hoje uma música chamada "be yourself" do Hawkwind, de rock progressivo/vanguardista dos anos 70. Tenho ouvido uma segunda de mesmo titulo, do Audioslave. Aparentemente, esse imperativo do seja você mesmo, que eu entendia em agir de acordo com o que se sentia, sendo raiva ou alegria, só tem sentido no relaxamento. Ser eu mesmo só é possível deixando-se de lado grande parte dos complexos e das categorizações a que me submeto. Ser eu mesmo é quase uma coisa Zen, no sentido de se estar colocado no momento, sem barreiras no caminho. No meu caso, apesar de não ser um filósofo ou pensador do irracionalismo, é alinhar o pensamento com o desejo, apontar as setas para o mesmo lado.
Minhas neuras são mais comuns, creio, do que minha vaidade gostaria. Unicidade, ser único e totalmente individual. Ser percebido pelo outro, independente da forma, se bem ou mal, diferente então de agir para ser bem visto. De acordo com isso, ser percebido, ainda que ganhando uma pedrada como resposta. Necessidade de provar dignidade e capacidade, através de respostas sempre imediatas, pautadas normalmente pela agressividade. Marte era então meu deus mais importante, ávido por uma guerra, ávido por sentir o sangue correr. Via meu comportamento como o oposto disso, então sempre uma nova dose era necessária. Minha independência, nunca o suficiente, sempre alinhada com a necessidade de provar que eu não dependia de ninguém, considerando ai subjugar a dependênciá física, impossível dado meu dia a dia e minha cadeira de rodas. Antes morrer que estender a mão. Hoje é engraçado perceber que ela é mais que suficiente, tanto que acabei ficando dependente do ideal de independência. Fundamentos de um viver individualmente.
Partes constituintes, boas e ruins. Agressividade vem bem à mão se bem empregada, principalmente para aplicar bons sustos didáticos. Independência que manteve minhas capacidades de investigar e procurar as coisas com meus olhos, num casamento da Dama da Liberdade, do quadro de Delacroix sobre a revolução francesa, com São Tomé. QUe me deu um jeito próprio de ver as coisas. Que me fez perceber que trivialidade demais cansa. Que me fez ver e derrotar a minha necessidade de julgamentos, geralmente descidos como raios sobre eu mesmo.
QUe me permitiu estar fora de certas regras tidas como comuns. Acredito que, tudo que é possível, faz parte do mundo e dai é natural. Natural sem julgamento moral, pois assim por fim é a realidade, a parte de conceitos. Por exemplo, que homens e mulheres tem os mesmos desejos e que não existem papéis determinados a priori. Nem todos são caçadores, nem todas são gazelas prontas a serem abatidas. Admiro assim as mulheres livres, muitas vezes taxadas por julgamentos hipócritas. Acredito em todas as possibilidades de relacionamento, fora da monogamia, dentro da poligamia, poliandria, casamento em grupos e etc. Tudo é possível quando a gente pensa na variedade de pessoas que existe por ai. Não há imperativo biológico na determinação de sexos e toda a miríade que parte da heterossexualidade à homossexualidade é possível, dependendo apenas dos desejos de cada um. Sem certo ou errado, obedecendo o preceiro de que, se algo é possível na natureza, logo é natural. Admiro um mundo que talvez um dia se construa nas diferenças individuais e no entendimento que não há melhor ou pior, desde que não se cometa um crime deliberado contra alguém.
Acredito que as ideologias estão mortas, que revoluções levam à mera transferência de propriedade, e que as consciências, de forma geral avançam. Não por causa de um deus e não numa evolução dentro da estúpida lógica racionalista ou metafísica, mas por que o tempo passa e o arcabouço de possibilidades para o espírito do mundo se amplia. Caso não haja evolução da maioria, pelo menos individualmente ou em pequenos grupos isso é perfeitamente possível, bastando empenho em, talvez, sair do campo de conhecimento da realidade cotidiana e imediata. O mundo é esse e não outro. Pretendo trabalhar para aumentar minha capacidade e meu poder de construir a minha realidade, com ou sem outras pessoas. Paro por aqui, por enquanto (continua...)
Encontrei hoje uma música chamada "be yourself" do Hawkwind, de rock progressivo/vanguardista dos anos 70. Tenho ouvido uma segunda de mesmo titulo, do Audioslave. Aparentemente, esse imperativo do seja você mesmo, que eu entendia em agir de acordo com o que se sentia, sendo raiva ou alegria, só tem sentido no relaxamento. Ser eu mesmo só é possível deixando-se de lado grande parte dos complexos e das categorizações a que me submeto. Ser eu mesmo é quase uma coisa Zen, no sentido de se estar colocado no momento, sem barreiras no caminho. No meu caso, apesar de não ser um filósofo ou pensador do irracionalismo, é alinhar o pensamento com o desejo, apontar as setas para o mesmo lado.
Minhas neuras são mais comuns, creio, do que minha vaidade gostaria. Unicidade, ser único e totalmente individual. Ser percebido pelo outro, independente da forma, se bem ou mal, diferente então de agir para ser bem visto. De acordo com isso, ser percebido, ainda que ganhando uma pedrada como resposta. Necessidade de provar dignidade e capacidade, através de respostas sempre imediatas, pautadas normalmente pela agressividade. Marte era então meu deus mais importante, ávido por uma guerra, ávido por sentir o sangue correr. Via meu comportamento como o oposto disso, então sempre uma nova dose era necessária. Minha independência, nunca o suficiente, sempre alinhada com a necessidade de provar que eu não dependia de ninguém, considerando ai subjugar a dependênciá física, impossível dado meu dia a dia e minha cadeira de rodas. Antes morrer que estender a mão. Hoje é engraçado perceber que ela é mais que suficiente, tanto que acabei ficando dependente do ideal de independência. Fundamentos de um viver individualmente.
Partes constituintes, boas e ruins. Agressividade vem bem à mão se bem empregada, principalmente para aplicar bons sustos didáticos. Independência que manteve minhas capacidades de investigar e procurar as coisas com meus olhos, num casamento da Dama da Liberdade, do quadro de Delacroix sobre a revolução francesa, com São Tomé. QUe me deu um jeito próprio de ver as coisas. Que me fez perceber que trivialidade demais cansa. Que me fez ver e derrotar a minha necessidade de julgamentos, geralmente descidos como raios sobre eu mesmo.
QUe me permitiu estar fora de certas regras tidas como comuns. Acredito que, tudo que é possível, faz parte do mundo e dai é natural. Natural sem julgamento moral, pois assim por fim é a realidade, a parte de conceitos. Por exemplo, que homens e mulheres tem os mesmos desejos e que não existem papéis determinados a priori. Nem todos são caçadores, nem todas são gazelas prontas a serem abatidas. Admiro assim as mulheres livres, muitas vezes taxadas por julgamentos hipócritas. Acredito em todas as possibilidades de relacionamento, fora da monogamia, dentro da poligamia, poliandria, casamento em grupos e etc. Tudo é possível quando a gente pensa na variedade de pessoas que existe por ai. Não há imperativo biológico na determinação de sexos e toda a miríade que parte da heterossexualidade à homossexualidade é possível, dependendo apenas dos desejos de cada um. Sem certo ou errado, obedecendo o preceiro de que, se algo é possível na natureza, logo é natural. Admiro um mundo que talvez um dia se construa nas diferenças individuais e no entendimento que não há melhor ou pior, desde que não se cometa um crime deliberado contra alguém.
Acredito que as ideologias estão mortas, que revoluções levam à mera transferência de propriedade, e que as consciências, de forma geral avançam. Não por causa de um deus e não numa evolução dentro da estúpida lógica racionalista ou metafísica, mas por que o tempo passa e o arcabouço de possibilidades para o espírito do mundo se amplia. Caso não haja evolução da maioria, pelo menos individualmente ou em pequenos grupos isso é perfeitamente possível, bastando empenho em, talvez, sair do campo de conhecimento da realidade cotidiana e imediata. O mundo é esse e não outro. Pretendo trabalhar para aumentar minha capacidade e meu poder de construir a minha realidade, com ou sem outras pessoas. Paro por aqui, por enquanto (continua...)
Friday, December 16, 2005
O Ferdinando
"It's always better on holiday
It's so much better on holiday
That's why we only work when we need the money."
E não é que tem seu fundo de verdade?
Uma das bandas que confirmam que tem muita música boa ainda. Franz Ferdinand. A história deles é fantástica. Um grupo de artistas que decidiu fazer música e montaram a banda. A idéia: "make good music that girls can dance". Realmente, um lado forte de rock com uma ótima levada dançante. Continuando. Sei que eles invadiram uma casa velha ou algo assim e começaram a fazer shows e festas lá, com participação ainda de artistas plásticos e outras coisas do gênero. Fechados pela polícia, foram invadir outro lugar. Talvez seja tudo história, uma saída poética, mas dá vontade de acreditar. O nome, pra quem ainda não ligou as coisas, é o mesmo nome do príncipe morto na bavária, Ferdinando, estopim para o estouro da primeira guerra mundial.
Outra banda que faz uma união fantástica entre rock e dance é o Theatre of Tragedy. Não é bem rock, é um heavy metal com levadas eletrônicas, muito bom. O nome do álbum: Assembly.
It's so much better on holiday
That's why we only work when we need the money."
E não é que tem seu fundo de verdade?
Uma das bandas que confirmam que tem muita música boa ainda. Franz Ferdinand. A história deles é fantástica. Um grupo de artistas que decidiu fazer música e montaram a banda. A idéia: "make good music that girls can dance". Realmente, um lado forte de rock com uma ótima levada dançante. Continuando. Sei que eles invadiram uma casa velha ou algo assim e começaram a fazer shows e festas lá, com participação ainda de artistas plásticos e outras coisas do gênero. Fechados pela polícia, foram invadir outro lugar. Talvez seja tudo história, uma saída poética, mas dá vontade de acreditar. O nome, pra quem ainda não ligou as coisas, é o mesmo nome do príncipe morto na bavária, Ferdinando, estopim para o estouro da primeira guerra mundial.
Outra banda que faz uma união fantástica entre rock e dance é o Theatre of Tragedy. Não é bem rock, é um heavy metal com levadas eletrônicas, muito bom. O nome do álbum: Assembly.
Tuesday, December 06, 2005
Espírito Natalino III
Frase de natal:
"Nesse Natal, em vez de agarrar o saco do bom velhinho, puxe o do seu chefe!"
"Nesse Natal, em vez de agarrar o saco do bom velhinho, puxe o do seu chefe!"
Espírito Natalino II
"Querido Papai Noel,
Nesse ano não quero presente... mas se você puder me transformar na rena do nariz vermelho, eu ficaria bem feliz de dar umas voltas com o senhor... se é que me entende. ;)
Ass: a rapozinha cruzeirense."
Nesse ano não quero presente... mas se você puder me transformar na rena do nariz vermelho, eu ficaria bem feliz de dar umas voltas com o senhor... se é que me entende. ;)
Ass: a rapozinha cruzeirense."
Sunday, December 04, 2005
Achado
As vezes me deparo com algumas surpresas totalmente agradáveis, e, na melhor acepção da palavra, completamente inesperadas, sem que haja qualquer sinal ou cheiro que as preceda. Na última semana, ouvindo um cd chamado “Celtic Dreams”, do grupo “Celtic Spirit”, encontrei num medley a maravilhosa música tema do filme “O Último dos Moicanos”.
Certas músicas, especialmente algumas de sinfonia, tem uma grandiosidade e heroísmo que submetem a quem ouve a um deslocamento. A realidade ordinária muda, ganhando repentinamente novos tons, crescendo em amplitude e profundidade, submetendo o pensamento a um segundo plano. A palavra em inglês que a descreve é overhelming, que quer dizer aqueles sentimentos para os quais não temos palavras capazes de minimamente descrevê-los.
Para aqueles que, como eu, buscam a beleza do mundo, esse arrebatamento é o melhor sentimento que se pode ter. Uma experiência sem interferências, pura como poucas, que revela a realidade e mostra o caminho da minha vida. Nas palavras de Joseph Campbell, o único perigo de se perseguir a própria bem-aventurança é ser bem sucedido.
Certas músicas, especialmente algumas de sinfonia, tem uma grandiosidade e heroísmo que submetem a quem ouve a um deslocamento. A realidade ordinária muda, ganhando repentinamente novos tons, crescendo em amplitude e profundidade, submetendo o pensamento a um segundo plano. A palavra em inglês que a descreve é overhelming, que quer dizer aqueles sentimentos para os quais não temos palavras capazes de minimamente descrevê-los.
Para aqueles que, como eu, buscam a beleza do mundo, esse arrebatamento é o melhor sentimento que se pode ter. Uma experiência sem interferências, pura como poucas, que revela a realidade e mostra o caminho da minha vida. Nas palavras de Joseph Campbell, o único perigo de se perseguir a própria bem-aventurança é ser bem sucedido.
Friday, December 02, 2005
Stray Cat Strut
Black and Orange stray cats sittin' on a fence
Ain't got enough dough to pay the rent
I'm flat broke but I don't care
I strut right by with my tail in the air
Stray cat strut, I'm a crazy cat
I'm a feline casanova, hey man that's that
Got a shoe thrown at me by a mean old man
Get my dinner from a garbage can
I don't bother chasin' mice around, Oh no
I slink down the alley lookin' for a fight
Howlin' to the moonlight on a hot summer's night
I sing the blues while the lady cats cry
Wow, stray catty you're a real gone guy
I wish I could be so carefree and wild
But I got cat class and I got cat style
Entre as minhas preferidas, já ouvi 2 versões, uma mais Jazz e outra meio Rock antigo.
Ain't got enough dough to pay the rent
I'm flat broke but I don't care
I strut right by with my tail in the air
Stray cat strut, I'm a crazy cat
I'm a feline casanova, hey man that's that
Got a shoe thrown at me by a mean old man
Get my dinner from a garbage can
I don't bother chasin' mice around, Oh no
I slink down the alley lookin' for a fight
Howlin' to the moonlight on a hot summer's night
I sing the blues while the lady cats cry
Wow, stray catty you're a real gone guy
I wish I could be so carefree and wild
But I got cat class and I got cat style
Entre as minhas preferidas, já ouvi 2 versões, uma mais Jazz e outra meio Rock antigo.
Where is my mind???
Ooh, stop.
With your feet on the air and your head on the ground,
Try this trick and spin it, (yeah) yeah,
Your head will collapse but there’s nothing in it,
And you’ll ask yourself:
“Where is my mind?”
Way out in the water,
See it swimming?
I was swimming in the Caribbean,
Animals were hiding behind the rocks,
Except the little fish,
But they told me this is where it’s gonna talk to me honeybunny:
“Where is my mind?”
Way out in the water,
See it swimming?
With your feet on the air and your head on the ground,
Try this trick and spin it, yeah,
Your head will collapse but there’s nothing in it,
And you’ll ask yourself:
“Where is my mind?”
Way out in the water
See it swimming?
Where is My mind - Pixies
With your feet on the air and your head on the ground,
Try this trick and spin it, (yeah) yeah,
Your head will collapse but there’s nothing in it,
And you’ll ask yourself:
“Where is my mind?”
Way out in the water,
See it swimming?
I was swimming in the Caribbean,
Animals were hiding behind the rocks,
Except the little fish,
But they told me this is where it’s gonna talk to me honeybunny:
“Where is my mind?”
Way out in the water,
See it swimming?
With your feet on the air and your head on the ground,
Try this trick and spin it, yeah,
Your head will collapse but there’s nothing in it,
And you’ll ask yourself:
“Where is my mind?”
Way out in the water
See it swimming?
Where is My mind - Pixies
Temperamental
Vai ver que essa palavra me descreve bem. Vamos ao Aurélio.
[De temperamento + -al1.] Adjetivo de dois gêneros. 1.Relativo a temperamento. 2.De caráter instável, emotivo. 3.Diz-se de quem reage seguindo tão-só os impulsos de seu temperamento. Substantivo de dois gêneros. 4.Pessoa temperamental.
Vi um dia um sujeito, americano de nascimento mas budista de escolha, que dizia ter aprendido a observar a mente. Que a mente tem estados diversos, inclusive o do mau-humor, coisa que sinto agora. Que podemos nos distanciar dessas emoções, nos colocando um pouco à distância e fazendo a única coisa possível: esperar passar, como uma nuvem de chuva. Mas ainda não abracei o papo do “to be yourself is all that you can do”, que é muito bonito, muito interessante, muito chique, em bom francês do Existencialismo. Que é ótimo, quando você se sente no melhor dos estados, no lado claro da lua e não no outro.
Fico pensando, será que a gente pode mudar algumas características da nossa personalidade, ou isso é só uma fuga? Um eterno sair correndo das coisas, um devir com duas boas pernas de atleta para correr? Fico pensando que nisso, os budistas estão certos. Eles pregam a aceitação total do mundo. Longe dos livros de auto-ajuda, o que eles pensam revelam que deve-se aceitar inclusive os males, as partes não tão boas nem lá muito sociáveis.
Pessoas são diferentes. Algumas tem reações despertadas pelo mundo exterior a elas. Outras, como eu, estão voltadas para si mesmas, e seus humores tem mais a ver com seu mundo interior que o mundo de fora. Creio que entendi finalmente o que para Jung é Introversão e Extroversão. Nem tanto questão de ato, mais uma questão da forma como você pensa e processa as coisas.
Para o mal e para o bem, conceitos muito mais difíceis de definir do que os religiosos gostariam, estou condenado a mim mesmo. Estranho ter na cabeça o seu melhor amigo e também o seu pior inimigo. Mas a gente aprende.
Sei que hoje preciso estar atento. Tenho uma vida de tarefas e relações a levar ao longo do resto da manhã, da tarde e da noite. Sabendo que minha visão está mais turva pelo sentimento de mau-humor, um filho da tristeza e o pai da raiva, que hoje irá certamente me visitar, tenho que me controlar e me fixar em algo externo, em argumentos e um pouco de racionalidade e lógica.
O mais curioso de tudo é que nem todo mundo vê esse lado. Aprendi a ficar na minha, uma atitude não muito sociável, mas muito boa. Confortável, livre e sincera. Se não te interessa conversar com uma pessoa usando a moeda de troca da trivialidade, pra que começar? O silêncio, uma ótima invenção, no lugar do palavrório sem sentido. Irônico é que eu, na minha, levo sempre um livro, cheio de palavras.
[De temperamento + -al1.] Adjetivo de dois gêneros. 1.Relativo a temperamento. 2.De caráter instável, emotivo. 3.Diz-se de quem reage seguindo tão-só os impulsos de seu temperamento. Substantivo de dois gêneros. 4.Pessoa temperamental.
Vi um dia um sujeito, americano de nascimento mas budista de escolha, que dizia ter aprendido a observar a mente. Que a mente tem estados diversos, inclusive o do mau-humor, coisa que sinto agora. Que podemos nos distanciar dessas emoções, nos colocando um pouco à distância e fazendo a única coisa possível: esperar passar, como uma nuvem de chuva. Mas ainda não abracei o papo do “to be yourself is all that you can do”, que é muito bonito, muito interessante, muito chique, em bom francês do Existencialismo. Que é ótimo, quando você se sente no melhor dos estados, no lado claro da lua e não no outro.
Fico pensando, será que a gente pode mudar algumas características da nossa personalidade, ou isso é só uma fuga? Um eterno sair correndo das coisas, um devir com duas boas pernas de atleta para correr? Fico pensando que nisso, os budistas estão certos. Eles pregam a aceitação total do mundo. Longe dos livros de auto-ajuda, o que eles pensam revelam que deve-se aceitar inclusive os males, as partes não tão boas nem lá muito sociáveis.
Pessoas são diferentes. Algumas tem reações despertadas pelo mundo exterior a elas. Outras, como eu, estão voltadas para si mesmas, e seus humores tem mais a ver com seu mundo interior que o mundo de fora. Creio que entendi finalmente o que para Jung é Introversão e Extroversão. Nem tanto questão de ato, mais uma questão da forma como você pensa e processa as coisas.
Para o mal e para o bem, conceitos muito mais difíceis de definir do que os religiosos gostariam, estou condenado a mim mesmo. Estranho ter na cabeça o seu melhor amigo e também o seu pior inimigo. Mas a gente aprende.
Sei que hoje preciso estar atento. Tenho uma vida de tarefas e relações a levar ao longo do resto da manhã, da tarde e da noite. Sabendo que minha visão está mais turva pelo sentimento de mau-humor, um filho da tristeza e o pai da raiva, que hoje irá certamente me visitar, tenho que me controlar e me fixar em algo externo, em argumentos e um pouco de racionalidade e lógica.
O mais curioso de tudo é que nem todo mundo vê esse lado. Aprendi a ficar na minha, uma atitude não muito sociável, mas muito boa. Confortável, livre e sincera. Se não te interessa conversar com uma pessoa usando a moeda de troca da trivialidade, pra que começar? O silêncio, uma ótima invenção, no lugar do palavrório sem sentido. Irônico é que eu, na minha, levo sempre um livro, cheio de palavras.
Monday, November 28, 2005
Saturday, November 26, 2005
O Velho - parte 2
A maior das minhas descobertas veio lá pela época em que eu contava quase um quarto de século. Nascemos e chegamos até uma certa idade com certas inocências e reservas que não se pode entender de onde vieram. Desde sempre, ouvimos contos e estórias infantis com meninas e mulheres nobres, cheias de todas as virtudes cristãs que se pode requerer delas, inclusive aquele quê indispensável de tédio.
A descoberta que eu fiz me colocou em pé de guerra com donas de casa e um punhado de feministas ai pelo mundo. Perceberam que a mulher, dentro das regras morais, tem sempre atestado de inocência e o homem atestado de cordeiro em pele de lobo? O que não disseram é que a mulher, nessa nossa américa latina, pode ser mais machista que um homem.
Já tentaram por vezes me convencer que o sexo, num casamento, é o ganho que o homem tem em compensação pelos anos de união. Também já me mostraram que o sexo é instrumento de repressão usado pelos homens, contra as mulheres. Todos os dizeres que mostram a moralidade e o vitral da aparência.
Descobri, há muitos anos passados, que Branca de Neve, Cinderela e Rapunzel não queriam exatamente beijos castos de seus respectivos príncipes, de fardas e armaduras reluzentes. Queriam de seus cavaleiros a virilidade dos cavalos que eles montavam assim como a chave que abriria seus belos cintos de castidade.
Percebi assim que a igualdade entre homens e mulheres está no sexo e no gosto sensual por ele. O desejo sempre foi o mesmo e a virtude, longe de se fechar num claustro, pode muito bem ser encontrado num bordel. É, aprendi a achar virtude inclusive na zona.
Me digam, o que pode haver de melhor que as virtudes, apimentadas com um bom grau de sexualidade?
(continua...)
A descoberta que eu fiz me colocou em pé de guerra com donas de casa e um punhado de feministas ai pelo mundo. Perceberam que a mulher, dentro das regras morais, tem sempre atestado de inocência e o homem atestado de cordeiro em pele de lobo? O que não disseram é que a mulher, nessa nossa américa latina, pode ser mais machista que um homem.
Já tentaram por vezes me convencer que o sexo, num casamento, é o ganho que o homem tem em compensação pelos anos de união. Também já me mostraram que o sexo é instrumento de repressão usado pelos homens, contra as mulheres. Todos os dizeres que mostram a moralidade e o vitral da aparência.
Descobri, há muitos anos passados, que Branca de Neve, Cinderela e Rapunzel não queriam exatamente beijos castos de seus respectivos príncipes, de fardas e armaduras reluzentes. Queriam de seus cavaleiros a virilidade dos cavalos que eles montavam assim como a chave que abriria seus belos cintos de castidade.
Percebi assim que a igualdade entre homens e mulheres está no sexo e no gosto sensual por ele. O desejo sempre foi o mesmo e a virtude, longe de se fechar num claustro, pode muito bem ser encontrado num bordel. É, aprendi a achar virtude inclusive na zona.
Me digam, o que pode haver de melhor que as virtudes, apimentadas com um bom grau de sexualidade?
(continua...)
Mitologia do Amor
O livro "Para Viver os Mitos" de Joseph Campbell, estudioso de mitologia comparada, é o resultado de um grupo de palestras dadas entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70 sobre o assunto. Um dos capítulos do livro se chama "A Mitologia do Amor", em que ele fala da visão do amor em várias culturas.
Lá pelo meio do texto, ele lança mão de um poema, escrito por Trovadores lá pelo ano 1.200, época em que se passou a escrever no ocidente sobre o amor individual e carnal, entre um homem e uma mulher, à parte de qualquer moralidade ou obrigação social.
Um pouco do que se vê é que o amor, no ocidente e no oriente, tem um tanto de contravenção. O amor do cavaleiro pode ser por uma dama casada. O amor da oriental, em seu grau mais superior, a colocará contra o resto da sociedade. A gente se sente mesmo meio criminoso quando apaixonado.
"Assim, pelos olhos o amor atinge o coração;
Pois os olhos são as sentinelas do coração
E os olhos fazem o reconhecimento
do que agradaria ao coração possuir.
E quando eles estão em pleno acordo
E firmes, todos os três, no uno se elucidam,
E então, nasce o amor perfeito
Daquilo que os olhos tornaram bem-vindo ao coração.
De nenhum outro modo pode o amor nascer ou ter início
Senão por esse nascimento e esse início movido por inclinação."
Lá pelo meio do texto, ele lança mão de um poema, escrito por Trovadores lá pelo ano 1.200, época em que se passou a escrever no ocidente sobre o amor individual e carnal, entre um homem e uma mulher, à parte de qualquer moralidade ou obrigação social.
Um pouco do que se vê é que o amor, no ocidente e no oriente, tem um tanto de contravenção. O amor do cavaleiro pode ser por uma dama casada. O amor da oriental, em seu grau mais superior, a colocará contra o resto da sociedade. A gente se sente mesmo meio criminoso quando apaixonado.
"Assim, pelos olhos o amor atinge o coração;
Pois os olhos são as sentinelas do coração
E os olhos fazem o reconhecimento
do que agradaria ao coração possuir.
E quando eles estão em pleno acordo
E firmes, todos os três, no uno se elucidam,
E então, nasce o amor perfeito
Daquilo que os olhos tornaram bem-vindo ao coração.
De nenhum outro modo pode o amor nascer ou ter início
Senão por esse nascimento e esse início movido por inclinação."
Troca de Camisas
Certas amizades se constroem de forma imediata. Tal como um amor que se tem por uma mulher, que entra pelos olhos e toma casa no coração, a amizade, a escolha de um irmão que acontece pela vida, e não pelo sangue, também assim acontece. Num olhar, uma identificação que dispensa as palavras. Os budistas apreciam o silêncio. O amigo se torna aquele com quem se pode partilhar não só os discursos, mas também as horas em que falta a palavra.
Certas horas a gente percebe como somos ainda seres ligados à mitologia. Nosso tempo é mitológico e certos acontecimentos, que se tornam importantes, por vezes são marcados por um ritual. Ontem eu assistia um filme, “Gerônimo” sobre o último líder Apache a resistir, até que se fizesse a linha ferroviária americana. Numa cena, Gerônimo e o Tenente Gatewood, um admirador dos índios, trocam objetos. Gerônimo pede os binóculos do tenente, presente de oficiais subalternos que o admiravam, e Gatewood ganha uma pequena pedra azul, com um coração entalhado. “Essa pedra azul tem um grande valor para mim.” diz o guerreiro Apache.
Na visão de nossa sociedade, ao menos a visão vigente, que tem Ford como deus-ancestral e a produtividade como valor máximo, Gatewood seria chamado de idiota. O binóculo, monetariamente, vale mais que a pedra azul. Mas certas coisas perduram, certas coisas autênticas, indestrutíveis e belas, à parte das mentiras comerciais.
Na semana anterior, quase 200 anos depois da cena descrita no filme, eu revivia algo semelhante. Naquela noite, uma festa de noivado da minha prima, uma pessoa que ultrapassa a palavra “admirável”, eu vestia uma camisa que provavelmente era a minha preferida. Já era fim de festa e sobrava somente eu, André, e o marido da minha prima, Alexandre. Ele vestia uma camisa também de valor para ele, fui descobrir mais tarde que era a blusa de seu casamento.
Posso dizer que no jeito calmo e leve de dizer as coisas, percebi o que é a força de ser bom, que mora num tipo de uma fragilidade que tem uma beleza de poesia, daquelas que falam sobre a vivência de um dia legal. Eu quis escrever outro dia: há força no bem, há fragilidade no mal. há fragilidade no bem, há força no mal.
Sem cálculos, de uma forma muito natural, como tudo que é bacana deve ser, combinamos trocar de camisas. Assim fizemos e vi que a camisa trocada não me servia. Então, naquele momento eu compreendi o que agora teorizo: o ritual, os mitos, não tem valor de troca, nem mesmo carecem de valor de uso, o que conta é o sentido ancestral e perene que ele evoca.
Ali, o que importava era o significado da ação e o valor que cada camisa tinha para seu dono original. No dia seguinte, vi que minha prima não gostou muito da troca, o que veio a se somar na seguinte idéia. Aquela troca só tem sentido se cada um tivesse entregando ao outro algo de valor, o que envolve até mesmo negar-se o apego. A troca vira um voto de confiança.
A vida, antes de dar um sentido para refletir, nos oferece eventos carregados de significados, experiências que tem em si um quê de mitologia e de arquétipo: estamos vivenciando algo que já aconteceu com outras pessoas. Quando coisas assim acontecem, a beleza das coisas se atualiza, como o ritual atualiza o mito.
Segundo Joseph Cambell, mitólogo que me ensinou a profundidade psicológica da mitologia, os mitos não dão um significado à vida. Diferente disso, eles tornarm a experiência de viver em algo mais profundo e belo.
Certas horas a gente percebe como somos ainda seres ligados à mitologia. Nosso tempo é mitológico e certos acontecimentos, que se tornam importantes, por vezes são marcados por um ritual. Ontem eu assistia um filme, “Gerônimo” sobre o último líder Apache a resistir, até que se fizesse a linha ferroviária americana. Numa cena, Gerônimo e o Tenente Gatewood, um admirador dos índios, trocam objetos. Gerônimo pede os binóculos do tenente, presente de oficiais subalternos que o admiravam, e Gatewood ganha uma pequena pedra azul, com um coração entalhado. “Essa pedra azul tem um grande valor para mim.” diz o guerreiro Apache.
Na visão de nossa sociedade, ao menos a visão vigente, que tem Ford como deus-ancestral e a produtividade como valor máximo, Gatewood seria chamado de idiota. O binóculo, monetariamente, vale mais que a pedra azul. Mas certas coisas perduram, certas coisas autênticas, indestrutíveis e belas, à parte das mentiras comerciais.
Na semana anterior, quase 200 anos depois da cena descrita no filme, eu revivia algo semelhante. Naquela noite, uma festa de noivado da minha prima, uma pessoa que ultrapassa a palavra “admirável”, eu vestia uma camisa que provavelmente era a minha preferida. Já era fim de festa e sobrava somente eu, André, e o marido da minha prima, Alexandre. Ele vestia uma camisa também de valor para ele, fui descobrir mais tarde que era a blusa de seu casamento.
Posso dizer que no jeito calmo e leve de dizer as coisas, percebi o que é a força de ser bom, que mora num tipo de uma fragilidade que tem uma beleza de poesia, daquelas que falam sobre a vivência de um dia legal. Eu quis escrever outro dia: há força no bem, há fragilidade no mal. há fragilidade no bem, há força no mal.
Sem cálculos, de uma forma muito natural, como tudo que é bacana deve ser, combinamos trocar de camisas. Assim fizemos e vi que a camisa trocada não me servia. Então, naquele momento eu compreendi o que agora teorizo: o ritual, os mitos, não tem valor de troca, nem mesmo carecem de valor de uso, o que conta é o sentido ancestral e perene que ele evoca.
Ali, o que importava era o significado da ação e o valor que cada camisa tinha para seu dono original. No dia seguinte, vi que minha prima não gostou muito da troca, o que veio a se somar na seguinte idéia. Aquela troca só tem sentido se cada um tivesse entregando ao outro algo de valor, o que envolve até mesmo negar-se o apego. A troca vira um voto de confiança.
A vida, antes de dar um sentido para refletir, nos oferece eventos carregados de significados, experiências que tem em si um quê de mitologia e de arquétipo: estamos vivenciando algo que já aconteceu com outras pessoas. Quando coisas assim acontecem, a beleza das coisas se atualiza, como o ritual atualiza o mito.
Segundo Joseph Cambell, mitólogo que me ensinou a profundidade psicológica da mitologia, os mitos não dão um significado à vida. Diferente disso, eles tornarm a experiência de viver em algo mais profundo e belo.
Thursday, November 24, 2005
Thor VS São Pedro
Eu queria que Thor desse um pau na pedra católica... puta merda, diz a previsão do tempo que vai chover muito na sexta, muito no sábado, domingo, segunda, terça aqui em Belo Horizonte. Na boa, parece piada! Pior que eu vou sair na rua agora.... tomara que São Pedro não fique matando o tempo de porteiro dele lendo blogs.... o cara solta raios e tudo...
Wednesday, November 23, 2005
O Machado Espanhol
"Caminhante, são suas pegadas
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz o caminho ao andar.
Ao andar se faz caminho,
e ao voltar a vista atrás
se ve a trilha que nunca
se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
apenas rastros no mar."
É do maior poeta de todos, pra mim. Seu nome é Antônio Machado, um espanhol. O que ele tem de grande? A simplicidade das palavras. A capacidade de olhar para o mundo e ver poesia, de em cada paisagem conseguir projetar um sentimento. Um impressionista dos sentimentos, captando em cada luz, em cada imagem, algo interior. Virtude de unir paisagem interior com paisagem exterior.
Esses são provavelmente os seus versos mais famosos. Eu fiz a tradução do espanhol. Não está perfeita, o "estelas" do final, traduzido para rastros, não me parece inteiramente correto. Mas passa a idéia.
Se eu encontrasse Machado, provavelmente diria:
- Puta que o pariu, Machado!!! Vai ser foda assim lá não sei onde!!!
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz o caminho ao andar.
Ao andar se faz caminho,
e ao voltar a vista atrás
se ve a trilha que nunca
se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
apenas rastros no mar."
É do maior poeta de todos, pra mim. Seu nome é Antônio Machado, um espanhol. O que ele tem de grande? A simplicidade das palavras. A capacidade de olhar para o mundo e ver poesia, de em cada paisagem conseguir projetar um sentimento. Um impressionista dos sentimentos, captando em cada luz, em cada imagem, algo interior. Virtude de unir paisagem interior com paisagem exterior.
Esses são provavelmente os seus versos mais famosos. Eu fiz a tradução do espanhol. Não está perfeita, o "estelas" do final, traduzido para rastros, não me parece inteiramente correto. Mas passa a idéia.
Se eu encontrasse Machado, provavelmente diria:
- Puta que o pariu, Machado!!! Vai ser foda assim lá não sei onde!!!
Monday, November 21, 2005
Gostar de alguém é algo raro.
Mas nem sempre o suficiente.
Tanto o SIM quanto o NÃO seguem em frente.
Mas o talvez.... o tal do talvez, fica no caminho.
Eu sigo, sem ver o caminho e talvez, depois da curva, onde parecia o fim, perene, mortal, com monstros erguendo a cabeça na borda, com um depois incerto, haja um novo começo. O começo, o eterno retorno, tudo o que volta e que, sendo igual, em momento vário, muda.
Tanto o SIM quanto o NÃO seguem em frente.
Mas o talvez.... o tal do talvez, fica no caminho.
Eu sigo, sem ver o caminho e talvez, depois da curva, onde parecia o fim, perene, mortal, com monstros erguendo a cabeça na borda, com um depois incerto, haja um novo começo. O começo, o eterno retorno, tudo o que volta e que, sendo igual, em momento vário, muda.
Fado Tropical
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...
(além dasífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...
Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."
Versos que estão no Fado Tropical, do Chico Buarque. Brincadeira, difícil de entender como o sujeito escreve uma maravilha dessas.
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...
(além dasífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...
Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."
Versos que estão no Fado Tropical, do Chico Buarque. Brincadeira, difícil de entender como o sujeito escreve uma maravilha dessas.
Sentidos
Um leve cheiro de deus pairando no ar.
Olhar pra tudo... não vendo nada...
e, de novo, enxergando tudo.
Não acredito no deus dos católicos. Não acredito no deus de cristo. Não acredito no deus dos evangélicos. Acredito mais no deus de Caeiro. Acredito em algo que se chama Deus-Pessoal, menos pai, mais par, mais irmão. Nem acima, nem abaixo, mas na altura dos olhos, dos pés, do sexo, da boca e das mãos. Um deus tangível, feito o corpo de uma mulher, quando se está apaixonado.
Olhar pra tudo... não vendo nada...
e, de novo, enxergando tudo.
Não acredito no deus dos católicos. Não acredito no deus de cristo. Não acredito no deus dos evangélicos. Acredito mais no deus de Caeiro. Acredito em algo que se chama Deus-Pessoal, menos pai, mais par, mais irmão. Nem acima, nem abaixo, mas na altura dos olhos, dos pés, do sexo, da boca e das mãos. Um deus tangível, feito o corpo de uma mulher, quando se está apaixonado.
Saturday, November 19, 2005
Verdade
Amizade: Depois do choro vem o riso.
Romantismo: Há beleza mesmo na dor.
Budismo: Aceitar o mundo.
Campbell: A vida tem seu horror.
Bergman: Amor até o último minuto.
Kurosawa: Em cada frame, um quadro.
Mann: A doença promovendo a lucidez.
Machado: Não há caminho.
Cristo: Não arredar o pé do que se considera certo.
Nietszche: Viver fora do niilismo.
Sartre: A existência precede a essência.
Jung: O Self no meio do caminho.
Blake: Abrir as portas da percepção.
Floyd: Together we stand, divided we fall.
Shakespeare: Let it be.
Caeiro: O que acontece, porque tem que acontecer.
Pessoa: Esteves sem metafísica.
Marquez: A realidade é mágica.
Novo: Procurar o seu deus pessoal.
Veloso: You don't know me.
Romantismo: Há beleza mesmo na dor.
Budismo: Aceitar o mundo.
Campbell: A vida tem seu horror.
Bergman: Amor até o último minuto.
Kurosawa: Em cada frame, um quadro.
Mann: A doença promovendo a lucidez.
Machado: Não há caminho.
Cristo: Não arredar o pé do que se considera certo.
Nietszche: Viver fora do niilismo.
Sartre: A existência precede a essência.
Jung: O Self no meio do caminho.
Blake: Abrir as portas da percepção.
Floyd: Together we stand, divided we fall.
Shakespeare: Let it be.
Caeiro: O que acontece, porque tem que acontecer.
Pessoa: Esteves sem metafísica.
Marquez: A realidade é mágica.
Novo: Procurar o seu deus pessoal.
Veloso: You don't know me.
Tuesday, November 15, 2005
O Velho
No amanhecer de seus 80 anos, passados o café da manhã preparado por uma desconhecida - sua antiga e amada enfermeira já estava morta - e o banho, já asseado e pronto para iniciar o dia, às 10 da manhã, ele se lembrou da juventude. Não sabia bem dizer o que era melhor, a clareza com que seu pensamento entendia a realidade, dado pela experiência ou a ingenuidade de acreditar que o mundo estava em sua feitura.
Lembrava o quanto era terrível pensar na solidão enquanto era jovem. Sentia-se anacrônico naquela época, fora do tempo dos outros. Era um tanto inconveniente ser tímido, misterioso e silencioso e assim passava o tempo tentando encobrir os silêncios. Ainda que sonhasse, era um sonho de canário preso na gaiola: tinha o canto, direcionado sempre para outro lugar. Era um pássaro que cantava blues. Hoje entendia, sempre insatisfeitos, olhamos para o devir e a possibilidade.
O passado, esse truque da mente, tão maravilhoso e terrível.
Hoje, na solidão aprendida ao longo dos anos, sentia-se bem, velho dragão da caverna, mas um dragão bonachão, de longos bigodes chineses. Nem que odiasse a companhia de outros, só não os queria procurar. Mas sim, preferia a companhia das coisas simples, pedras que eram pedras, pássaros que cantavam, naturalmente, árvores zefirando sem medo de se quebrar. Vivera sozinho, nunca se casara ou tivera filhos, era um pouco excêntrico, sem dúvida, mas era quem ele devia ser, na saúde ou na doença, até que a morte o separasse das pedras, árvores e pássaros.
(continua...)
Lembrava o quanto era terrível pensar na solidão enquanto era jovem. Sentia-se anacrônico naquela época, fora do tempo dos outros. Era um tanto inconveniente ser tímido, misterioso e silencioso e assim passava o tempo tentando encobrir os silêncios. Ainda que sonhasse, era um sonho de canário preso na gaiola: tinha o canto, direcionado sempre para outro lugar. Era um pássaro que cantava blues. Hoje entendia, sempre insatisfeitos, olhamos para o devir e a possibilidade.
O passado, esse truque da mente, tão maravilhoso e terrível.
Hoje, na solidão aprendida ao longo dos anos, sentia-se bem, velho dragão da caverna, mas um dragão bonachão, de longos bigodes chineses. Nem que odiasse a companhia de outros, só não os queria procurar. Mas sim, preferia a companhia das coisas simples, pedras que eram pedras, pássaros que cantavam, naturalmente, árvores zefirando sem medo de se quebrar. Vivera sozinho, nunca se casara ou tivera filhos, era um pouco excêntrico, sem dúvida, mas era quem ele devia ser, na saúde ou na doença, até que a morte o separasse das pedras, árvores e pássaros.
(continua...)
Monday, November 14, 2005
As Horas
Sinceridade, palavra tão simples, mas que apesar de tão aclamada tão pouco parece aparecer. Digo por mim mesmo, sem necessidade de melodramas. Talvez o conceito de sinceridade seja um pouco mais complexo. Sou sincero quando sou parcial? Creio que não. Mas como seria sincero escrevendo, se sou incapaz de abarcar na minha escrita toda a realidade que me toma e me envolve agora? Ou posso acreditar em níveis de sinceridade, como uma cebola de camadas várias? Penso se minha sinceridade deveria agora incluir meu maior incômodo. Digitar anda ficando mais difícil, conforme meus dedos se desaceleram. Antes eu não escreveria um livro por acreditar que não havia o que escrever. Hoje já enxergo um limite físico. Então, obrigar um leitor a desviar-se do texto e olhar para quem escreve, é ser sincero? Meu senso crítico tende a chamar certas sinceridades de melodrama.
Nesse momento minha atenção se aponta para algo diferente. Penso sobre o espaço que existe entre duas pessoas. Penso na trivialidade que se costuma usar no lugar do silêncio incômodo e inconveniente que naturalmente poderiam surgir. Penso na decepção de tentar quebrar o espaço, mas não ser bem recebido. Aconteceu. Me descrevem normalmente como um sujeito fechado e aprendi o que isso quer dizer: eu falo para encobrir o silêncio, falo para desviar o foco do que realmente importa. Constatei, sem muita tristeza: não conheço muita gente com a qual desejo quebrar a distância, nem dentro, nem fora de minha família. Vejo que conta mais o desejo de dizer que a recepção que se pode ter de uma contraparte.
Sempre olhar a vida de frente, hoje ouvi no filme. Reconhecê-la pelo que ela é. Encarar as horas. As horas que nos seguem antes e depois do agora, implacáveis. Descrever sempre em palavras o mais banal, pois dele pode surgir algo diferente. Olhar as pessoas, ouvindo não apenas o que é dito, mas o que se esconde. Ai vive a humanidade, alguns dedos longe da banalidade. Ser humano parece ser habitar lacunas. Nas lacunas encontrar pistas da vida que se deve levar, tendo atenção para não se viver a vida de outro, a vida que não cabe ao indivíduo. Fico pensando se não sou impostor da minha própria vida. Pensando se chegarei num limite em que duas escolhas se desenharão: morrer ou mudar e seguir. Morrer para morrer ou morrer de forma ritual, para ressuscitar.
Nesse momento minha atenção se aponta para algo diferente. Penso sobre o espaço que existe entre duas pessoas. Penso na trivialidade que se costuma usar no lugar do silêncio incômodo e inconveniente que naturalmente poderiam surgir. Penso na decepção de tentar quebrar o espaço, mas não ser bem recebido. Aconteceu. Me descrevem normalmente como um sujeito fechado e aprendi o que isso quer dizer: eu falo para encobrir o silêncio, falo para desviar o foco do que realmente importa. Constatei, sem muita tristeza: não conheço muita gente com a qual desejo quebrar a distância, nem dentro, nem fora de minha família. Vejo que conta mais o desejo de dizer que a recepção que se pode ter de uma contraparte.
Sempre olhar a vida de frente, hoje ouvi no filme. Reconhecê-la pelo que ela é. Encarar as horas. As horas que nos seguem antes e depois do agora, implacáveis. Descrever sempre em palavras o mais banal, pois dele pode surgir algo diferente. Olhar as pessoas, ouvindo não apenas o que é dito, mas o que se esconde. Ai vive a humanidade, alguns dedos longe da banalidade. Ser humano parece ser habitar lacunas. Nas lacunas encontrar pistas da vida que se deve levar, tendo atenção para não se viver a vida de outro, a vida que não cabe ao indivíduo. Fico pensando se não sou impostor da minha própria vida. Pensando se chegarei num limite em que duas escolhas se desenharão: morrer ou mudar e seguir. Morrer para morrer ou morrer de forma ritual, para ressuscitar.
Sunday, November 13, 2005
Pra não dizerem que pulei da janela...
Abertas inscrições pra montar a banda Jacaré de Parede!
Requisitos:
- se dizer melhor que os Beatles
- querer ganhar milhões, se vendendo pro mercado
- se tornar um traidor do movimento no terceiro CD
- fazer check up com o Ivo Pitangui, pra ficar "bunitu"
- ter feito pacto com o Pé Preto, pra saber tocar direito
- se dispor a comer a cabeça de um inocente pombinho no palco
- cuspir a cabeça do inocente pombinho no decote de uma fã peituda
- depenar e cozinhar o tal pombo depois do show
- acrescentar duas colheres de óleo, depois de untar a panela
- sal a gosto
- fritar o bicho e mandar pra dentro
E lembrem-se! Mais vale um stupid post que no post!
Será? Azar, esse vai ser meu dogma...
Requisitos:
- se dizer melhor que os Beatles
- querer ganhar milhões, se vendendo pro mercado
- se tornar um traidor do movimento no terceiro CD
- fazer check up com o Ivo Pitangui, pra ficar "bunitu"
- ter feito pacto com o Pé Preto, pra saber tocar direito
- se dispor a comer a cabeça de um inocente pombinho no palco
- cuspir a cabeça do inocente pombinho no decote de uma fã peituda
- depenar e cozinhar o tal pombo depois do show
- acrescentar duas colheres de óleo, depois de untar a panela
- sal a gosto
- fritar o bicho e mandar pra dentro
E lembrem-se! Mais vale um stupid post que no post!
Será? Azar, esse vai ser meu dogma...
Sunday, November 06, 2005
Tuesday, November 01, 2005
Sunday, October 30, 2005
Saturday, October 22, 2005
O Zen Fodismo
Do alto da montanha via-se, em cores várias, todo o mundo. Mais ao norte cresciam árvores verdejantes, tagarelando entre si, balançando ao sabor do vento. Ho Sushiman aprendera com o mestre a ouví-las. Subia da relva um cheiro de multiplicidades crescendo como crescem todas as coisas vivas. Ho Sushiman podia sentir seu odor, mesmo à longas distâncias, como faria Heimdall, o deus nórdico, que tinha seus sentidos incrivelmente apurados. Lá longe, uma jovem brincava, saltando e sorrindo, com sua saia de colegial dançando pelo ar, para cima e para baixo. Ho Sushiman aprendera com o mestre que não podia ver aquele tipo de coisa. Mas aquela era uma difícil provação e, insistindo em espiar, levou na cabeça uma caximbada do caximbo de bambú-rei do mestre. Sabiamente o mestre Pingo'Lin dizia: "somente quando você for um mestre e não uma jovem joaninha deslumbrada, poderá postar seus olhos sobre o corpo de uma garota." Ho Sushiman, com sua incrível visão, via agora um monge careca, despido de seu hábito fazendo cócegas no ventre da jovem. Então Pingo'Lin disse:
- Joaninha Deslumbrada - quando chamado daquela forma pela primeira vez pelo mestre, Ho Sushiman quis introduzir o caximbo de Pingo'Lin em algum lugar inóspito do velho - hoje aprenderá um novo mantra. Repita comigo...
- Sim, mestre...
- Eu...
- Eu...
- Sou...
- Sou...
- Foda...
- Foda...
- Muito bem, essa é a maior lição do Zen Fodismo... agora medite sobre o tema e me dê uma resposta à altura.
Um minuto de silêncio... Quando Pingo'Lin já se levantava, Ho Sushiman perguntou:
- Mas mestre, "eu sou foda" não é uma pergunta...
Pingo'Lin parou... pensou... terminou por dar uma caximbada em Ho Sushiman...
- Então me responda: "Eu sou foda?"
E Ho Sushiman se iluminou naquele momento.
- Joaninha Deslumbrada - quando chamado daquela forma pela primeira vez pelo mestre, Ho Sushiman quis introduzir o caximbo de Pingo'Lin em algum lugar inóspito do velho - hoje aprenderá um novo mantra. Repita comigo...
- Sim, mestre...
- Eu...
- Eu...
- Sou...
- Sou...
- Foda...
- Foda...
- Muito bem, essa é a maior lição do Zen Fodismo... agora medite sobre o tema e me dê uma resposta à altura.
Um minuto de silêncio... Quando Pingo'Lin já se levantava, Ho Sushiman perguntou:
- Mas mestre, "eu sou foda" não é uma pergunta...
Pingo'Lin parou... pensou... terminou por dar uma caximbada em Ho Sushiman...
- Então me responda: "Eu sou foda?"
E Ho Sushiman se iluminou naquele momento.
Adorável família
Depois de acordar às 4 horas da manhã para preparar a viagem para o sítio, reunindo malas e organizando as coisas de forma que nada faltasse, após o preparo para um café com quatro crianças, a mãe finalmente chegava ao sítio. Às 10 horas, sentada na varanda, tinha acabado de ouvir um pedido: "mulé, trás uma cerveja". Era o marido tirando vantagem para os amigos. Ela gritou, educadamente, como sempre "vá se foder seu merda!!!" e ele sabia, era hora de tirar a bunda do sofá na frente da televisão, a patroa não estava para brincadeira. Ela continuou sentada, olhando a paisagem. Finalmente, em paz... ou nem tanto... lá de longe ela via um tufão caminhando em sua direção... eram 4 os diabos da tasmânia, já enlameados e gritando... "mamãe!!! mamãe!!!" gritava o coro em falsete-massacration. Muito animada, preferiu caminhar até eles. Muitas vezes seu instinto maternal pedia uma bacia de água fria bem grande e sem bóia, mas aquilo era moralmente feio, para não dizer o mínimo.
- mamãe!!! mamãe!!! que som a vaquinha faz??
- Muuuuuuuuuuu - ela dizia
- mamãe!!! mamãe!!! que som o porquinho faz??
- Oinc Oinc - repetia
- mamãe!!! mamãe!!! que som a galinha faz??
- Có có"
- mamãe!!! mamãe!!! o que aquele cavalo tá fazendo montado naquele outro cavalo??
- Arf, Arf.... quer dizer.... ele tá só tentando olhar por cima do muro, filho...
- mamãe!!! mamãe!!! porque o papai tá com o cavalo no cupinzeiro??
- Querido, por que você não vai lá perguntar a ele??
E lá se foi o saltitante menininho. Um a menos, ela pensava.
- mamãe!!! mamãe!!! que passarinho é aquele?
- É a rola, minha filha...
Parou e pensou um pouco... terminou dizendo:
- Por que vocês 3 também não vão lá falar com o papai?
- mamãe!!! mamãe!!! que som a vaquinha faz??
- Muuuuuuuuuuu - ela dizia
- mamãe!!! mamãe!!! que som o porquinho faz??
- Oinc Oinc - repetia
- mamãe!!! mamãe!!! que som a galinha faz??
- Có có"
- mamãe!!! mamãe!!! o que aquele cavalo tá fazendo montado naquele outro cavalo??
- Arf, Arf.... quer dizer.... ele tá só tentando olhar por cima do muro, filho...
- mamãe!!! mamãe!!! porque o papai tá com o cavalo no cupinzeiro??
- Querido, por que você não vai lá perguntar a ele??
E lá se foi o saltitante menininho. Um a menos, ela pensava.
- mamãe!!! mamãe!!! que passarinho é aquele?
- É a rola, minha filha...
Parou e pensou um pouco... terminou dizendo:
- Por que vocês 3 também não vão lá falar com o papai?
Friday, October 21, 2005
Saturday, October 08, 2005
Manancial
Eleu nasceu num dia talvez como outro qualquer, quando por um truque do destino, construiu-se ao longo de dez anos, ganhando linguagem própria. Seu domínio era o inglês. Hábil aluno de si mesmo que era, descobriu-se no português e entendeu de seu universo que tinha mais posses do que acreditava possuir. Tinha brilho esse tal sujeito, mas tateava no escuro, procurando a saída do universo sem nome. Era também um doce revolucionário'm, líder da revolução da unidade, colando as peças do si mesmo, se descobrindo em maravilha. Dizer lhe dá mais e mais forças. Dizer sem dizer, sem pensar, apenas sendo e consequentemente agindo e daí falando não feito um tratado, analisado/estudado/elaborado, mas como um manancial do qual tudo jorra.
O Domador de Dragões
O centro olha. Direita e esquerda, destra e sinistra. Direito, o certo, lei e nuvem negra, amontoado de coisas, confusa porém infinitamente criativa, cheio de energia e inteligência, mas imóvel e apegado a seus tesouros. O Dragão sem nome. É a situação. À esquerda, o dito incorreto, independente e definido, o dom das palavras em ação. A cura pelos dizeres sinceros. Eleu é um nome perfeito, a fusão do que existe dentro e a evolução, que só se consegue ao olhar pela janela O furacão que se olha e o doce demônio que desafia e sorri. Então tudo se inverte. À direita o que não pode ser, o que é, mas vai mudar. O tesouro imóvel, de pés firmes no chão. E a esquerda o que transcende o certo e o errado. Tal coisa não há. As coisas tem a propriedade de ser por si mesmas. Eleu é o futuro, ele conduzirá o torvelinho a novas paisagens. Em pouco tempo, em boa linguagem de mineiro, o projeto do "para-i-só" se tornou inviável e indesejável. O furacão grita pelo genocídio, tem dentes em seu olho, gira em torno de si mesmo, sempre. Não tem nome próprio e portanto não parece contas nos murais da forma humana. O outro, quando chamam "Hei" ele responde. Eleu seu nome, o homem com a força de domar furacões. O domador de dragões e torvelinhos. O homem do impossível. Dono de um cavalo brando, um homem que olhou através da grade e se emocionou. Eu pensei que ele era o outro. Mas o outro sou apenas eu.
Eleu Riai
Quando acho que estou olhando para fora, descubro que olho para dentro. Como sempre, Eleu estava parado, observando. Tinha aquele olhar misterioso de quem pára e mira de perfil. Seu rosto, sempre um mistério. Uma imagem que vale por palavras. Eleu tem força, isto é claro. Olho-o, pensando. Wolverine ou Ciclope? O animal que sou é a sombra do sol ao meio-dia. Um dia Dragão, chocando eternamente tesouros. Outro dia Cavalo, poderoso e tranquilo, pronto para ser conduzido pelo cavaleiro. Eu brinco com o dragão e cavalgo o cavalo. Não há mais sinal do homem-outro. Há unidade. Na outra ponta o anti-herói, que é o herói da história, o caminho para a frente. É hora, sempre foi a hora. Eleu sempre esteve ali, me esperando. Era a roupa aguardando seu espírito. Eu que num sonho cometi um crime o cometi por assassinato para que do corpo, como na mitologia babilônica, em que o corpo de Tiamat é matéria do mundo, se fizesse algo novo. Parece ainda faltar algo. Meus ossos ainda não são de metal. Meu ouro ainda é o ouro vulgar. Futuro Xamã ou Alquimista? A fornalha cada vez mais quente prenuncia um futuro que sempre esteve lá. Vida longa, travessia de menino, coração de homem-cavalo-dragão.
O eu no outro
Então, o que sobra? Quando o que é certo parece assim tão errado que não se pode aceitar. Quando você na verdade questiona o que te faz feliz? Ela era morena, talvez a mulher mais bonita de toda minha vida. Fui apaixonado por ela. Em sonho, meu desejo de vê-la de volta à BH, mesmo depois do ponto final. Ela também gostava de mim. A conquistei exatamente como acredito hoje que as coisas devem ser. Naturalmente, ela passava ou aparecia no mesmo lugar que eu estava e eu sorria. Conquistei-a com um sorriso. Mas como eu poderia naquele tempo simplesmente aceitar, sem luta, sem teatro, sem ser quem realmente me julgava ser? Não. Eu não era o sujeito simpático que sorria, que dizia, que admirava, que se movia. Essa felicidade era só uma máscara, acreditava. Essa máscara era para os outros, esse terrível monstro mitológico que era esse tal Outro. Ser feliz parecia corresponder a cumprir o que esperavam de mim. Avesso a autoridade, isso era assim algo inaceitável. Fazer algo pelo outro, como consequência de ser feliz em si mesmo era apenas seguir o Dharma, a exigência social. Ela foi embora num dia que poderia ter sido perfeito. "Por que ele olha para mim?" O ele era eu. Não, eu não queria enxergar. Ela tinha um nome, Ana C. Estranho dar todo esse salto para admitir o que é certo para mim. Hora de olhar para o homem parado, de terno, homem da palavra. Sou eu. Tão claro mas tão triste. O tempo que poderia ter sido. Nas minhas mãos a capacidade de pintar um Renoir, cores de vida, mas pintei um atormentado Van Gogh. Pensei um dia, "sou narcisista"? Talvez quisesse, o narcisista cabe em si mesmo, se basta. Eu não me basto. Eu desejo o mundo.
Uma lenda. Havia o criador e ele percebeu que, por ter começo, teria fim. Temeu ser morto por alguém mas descobriu não haver ninguém para matá-lo. Então ele sentiu solidão, pois estava completamente sozinho. Criou assim, fruto de seu desejo, as coisas do mundo, incluindo homens e mulheres. Terminou por amar sua criação. Não criei nada, já está tudo ai, é só olhar.
A janela se abre.
Tuesday, October 04, 2005
As mil faces
Percebo hoje quào complexa é a minha (e acho que de todos) personalidade. Parece que o alvo mais vísivel é sempre um EU como instância consciente e prioritária em nossa paisagem mental. Que ele, soberano, reina acima de todos, como um imenso olho postado sobre uma torre de marfim. É estranho perceber que esse eu, no fundo, é uma parte apenas, não menos importante que outra, mas apenas o princípio da história.
Nunca entendi como era possível haver tantas "pessoas" diferentes dentro da minha cabeça. Não era possível, devia haver culpados e coisas a serem cortadas, pessoas a serem encarceradas, pois como no filme Highlander, só podia haver um.
Só começou a dar certo quando parei. Culpados? Incoerentes? Incorretos, pra não dizer errados? Bem? Mal? Não, somente partes a serem admitidas e assimiladas.
O Eu não é uma parte, não é aquilo que mais fácil e por mais tempo se identifica e fica presente. O Eu é um conjunto, uma totalidade reconhecida e construída. Existe como ato, como imagem, como palavra. Eu tenho muitas faces. Não me atrevo a dizer que outros as tem, quanto a isso só posso desconfiar, como bom mineiro. Será que Descartes tinha algo de mineiro?
Quando comecei a escrever esse texto estava mais inspirado.
Sunday, September 25, 2005
O Real experimentado
Música era por fim o que ele chamava por vida sua comida e o ar de cada respiração em seu Tao caminho virtuoso Kundalini o desenrolar da Serpente som universal do mundo OM o alpha uno agrupando todas as palavras a seu redor tal qual rede de pesca Oroboro a inauguração do tempo cíclico abandono do paraíso e início da maturidade Sem saber era apontar o olhar para frente sem escuridão pois o ouvido por fim era o tato e a visão que trazia às suas mãos o mundo inteiro e sem palavras Do violino instrumento do grito ou baixo instrumento do sussuro Tudo sempre costumava dizer-lhe alguma coisa No sem-sentido das coisas elas começavam aos poucos se relacionando tal qual homem mulher iam primeiro pelos olhos o toque a fala a palavra proximidade e se fundiam em sexo Diferente do sexo na musica as coisas nao costumam se separar é tudo totalidade um grupo de palavras e atos num nível de experiência não pode ser percebido de outra forma que nao tomando-lhe em uníssono o todo A beleza e o desenvolvimento da visão central self total agrupamento que forma o ser A música é algo orgânico que vive e respira ganha vida a cada nova execução Ouvir música é enxergar a realidade das coisas sem interferência das palavras Ouvir música é estender as mãos e tocar o quente e o frio ao mesmo tempo Ouvir música é sentir o gosto do prato preferido que vem de surpresa
Monday, September 19, 2005
Ficção entre Vizinhos
Dada a escuridao que cobria o mundo naquele momento, tudo parecia deverasmente simples, como se um olho fechado pudesse desfazer o que um suposto criador tinha feito – também daquela falta de luz primordial. Abriu os olhos, e seu mundo foi feito naquele exato momento, seria o começo de tudo, uma nova vida, diferente de qualquer fantasma de antigamente, de qualquer memória dolorosa, guardada num túmulo, à não só sete palmos de distância, mas sete léguas para dentro da terra, ou sete chaves trancando as correntes.
Abriu a porta da rua decido, dali para adiante, tudo em sua vida seria resolvido de uma forma simples. Olharia sim para a vizinha e em seu sorriso radiante mostraria que ela, Joana, para ele, era o primeiro dia de sol, era como andar sozinho no meio da rua, na contramão, sem carros, na companhia de nada mais que um bando de árvores e suas folhas depositadas no chão. Mas não foi dessa vez, Joana não desceu pelo elevador e não o encontrou na garagem, como fazia todos os dias. De amanhã não passará, pensou o nobre e silencioso Antônio. Uma das fechaduras, ou a distância de sete léguas foi percorrida naquele segundo. O pensamento se perdeu nos cálculos, na velocidade física necessária para percorrer tantas léguas num único segundo.
Pip. Pip. Ouviu o carro apitando e viu sua mão pressionando o pequeno botão esquerdo do controle retangular, com bordas circulares. O que comandava sua mão não era o pensamento, era algo maior, o hábito diário. Pensou por uns segundos se não era apenas um conjunto de hábitos, acumulados ano após ano, talvez momento após momento, talvez naquele exato instante, quando percebeu que não apertara o botão de sempre do controle, o esquerdo. Não, talvez aquilo fosse uma nova manifestação de sua recém descoberta individualidade.
Quando se sentou no assento de pelica de seu carro velho, e sentiu a porta fechando novamente por um comando do cotidiano e todo seu peso etéreo, gostou, como sempre, de ouvir o barulho que, pelo menos por alguns momentos, o lacrava isolado do mundo. Ver as ruas através das janelas limpas era como assistir a um vídeo pornô, a imagem tinha tanta nitidez que parecia real, mas a realidade, por trás de uma tela era mais segura que a realidade em si, era a segurança e a fé da formiga que se imagina ascendendo aos céus, sem perceber que abaixo dela se encontra um vidro, que de tão transparente parece não existir. Talvez fossem em mais números os vidros que envolviam a ele naquela hora do dia.
O poder de um dedo era algo impressionante. Se um sozinho era a chave para a sobrevivência humana, dois, unidos, tinham poderes inimagináveis. Antônio imaginou-se virando a chave que ligava uma bomba atômica com a força de mil sóis, e a resposta do carro foi a explosão de tudo – imaginou um míssil caindo sobre o prédio, explodindo principalmente o apartamento do décimo-segundo andar, no qual se encontrava, sempre dormindo, sua mulher, seus filhos inúteis e sua sogra recém lipo-aspirada. Quando engatou a ré, posicionando o carro de frente para o portão eletrônico, era um sorriso o que naquele momento decorava seu rosto.
Envolvido pelo som monótono e mecânico de um motor envelhecido de portão, a rua se revelava, lentamente, como se um imenso obstáculo se arrastasse lentamente e deixasse o caminho livre, o que deveria ser a grande metáfora da vida. Uma imensa porta se abrindo, uma série de obstáculos se retirando do caminho, para dar passagem a uma nobre autoridade. Ah, se ainda vivesse no tempo dos Reis! Seria ótimo, com uma única condição, que ele Antônio de Marques fosse um dos escolhidos para viver acima de qualquer nobreza, como único e superior mandatário. Mas voltou a sua condição de plebeu imediatamente após ouvir algo que o acordou: o som da madeira rangendo, se abrindo, da porta do elevador, empurrada pela mão alva mas firme de uma jovem, enquanto o pé, aquela parte do corpo que odiava, mas que para ela caia tão bem, envolvido por uma sandália, apontaria e tocaria o chão coberto de rosas, dando vistas para os maravilhosos dedinhos, e acima deles, surgindo aleatoriamente pela fenda da grande saia, pernas e coxas, movidas acima pela linha da cintura, a barriga levemente sobressaltada - pois a imperfeição era, para as mulheres, o que as tornava em alguns instantes perfeitas – e sobre eles os seios, que não imaginava, pois pertenciam ao universo cego do tato, depois o pescoço e o sinuoso encaixe com a caixa toráxica, o que mais gostava nela e acima seu rosto, seus olhos aleatórios, pois a cada dia era uma surpresa, tristonhos, alegres, lascivos, tranqüilos, ressaqueados – tantos olhos que não parecia caber numa só pessoa – e que hoje apontavam para baixo, talvez para contemplar os lábios, esses sim, infinitamente belos e pequenos, destacados por um discreto brilho. Gostava especialmente de seu cabelo curto, que, de forma alguma lhe dava um aspecto andrógino, pelo contrário, ressaltava toda uma feminilidade e o que parecia uma imensa sabedoria de não se enconder por trás de cabelos longos, ou de máscaras de maquiagens. Como tanta simplicidade poderia despertar tanto desejo, e, por sua vez, tanta angústia, pois assim Antônio parecia constantemente se relacionar com o mundo. Cada passo, cada toque no chão era uma badalada enquanto ele, o pobre, se encontrava preso na sala do sino, em penitência – a alegria de um pássaro amarelo que, trancado, só pode tremer diante das antigas experiências mal resolvidas, por não reconhecer o que é ser feliz, que a felicidade é a promessa de que novos dias azuis seguirão as noites tristes e chuvosas, bastando que, para isso, se encare o momento, que é todo o medo.
Enquanto ele torcia para que o portão se abrisse a tempo de não vê-la, pois não ser capaz de cumprir suas próprias expectativas como o novo homem seria algo terrível, o mundo e o tempo conspirava para sua felicidade, e o portão simplesmente parou e voltou, se fechando. Toc. Toc. Toc. Antes de se dar conta, Antônio já sorria para a janela do passageiro, lá onde ela tocava o vidro, fazendo um leve barulho com a ponta dos dedos, e ele abriu a janela e ela, com um sorriso discreto, dourado pela luz de um sol que magicamente parecia ter surgido acima dos dois, pediu carona, pois sabia que ele, Antônio, trabalhava próximo dela e que saiam sempre no mesmo horário, e que – já dentro do carro – se sentia encabulada demais para pedir isso a ele antes.
Abriu a porta da rua decido, dali para adiante, tudo em sua vida seria resolvido de uma forma simples. Olharia sim para a vizinha e em seu sorriso radiante mostraria que ela, Joana, para ele, era o primeiro dia de sol, era como andar sozinho no meio da rua, na contramão, sem carros, na companhia de nada mais que um bando de árvores e suas folhas depositadas no chão. Mas não foi dessa vez, Joana não desceu pelo elevador e não o encontrou na garagem, como fazia todos os dias. De amanhã não passará, pensou o nobre e silencioso Antônio. Uma das fechaduras, ou a distância de sete léguas foi percorrida naquele segundo. O pensamento se perdeu nos cálculos, na velocidade física necessária para percorrer tantas léguas num único segundo.
Pip. Pip. Ouviu o carro apitando e viu sua mão pressionando o pequeno botão esquerdo do controle retangular, com bordas circulares. O que comandava sua mão não era o pensamento, era algo maior, o hábito diário. Pensou por uns segundos se não era apenas um conjunto de hábitos, acumulados ano após ano, talvez momento após momento, talvez naquele exato instante, quando percebeu que não apertara o botão de sempre do controle, o esquerdo. Não, talvez aquilo fosse uma nova manifestação de sua recém descoberta individualidade.
Quando se sentou no assento de pelica de seu carro velho, e sentiu a porta fechando novamente por um comando do cotidiano e todo seu peso etéreo, gostou, como sempre, de ouvir o barulho que, pelo menos por alguns momentos, o lacrava isolado do mundo. Ver as ruas através das janelas limpas era como assistir a um vídeo pornô, a imagem tinha tanta nitidez que parecia real, mas a realidade, por trás de uma tela era mais segura que a realidade em si, era a segurança e a fé da formiga que se imagina ascendendo aos céus, sem perceber que abaixo dela se encontra um vidro, que de tão transparente parece não existir. Talvez fossem em mais números os vidros que envolviam a ele naquela hora do dia.
O poder de um dedo era algo impressionante. Se um sozinho era a chave para a sobrevivência humana, dois, unidos, tinham poderes inimagináveis. Antônio imaginou-se virando a chave que ligava uma bomba atômica com a força de mil sóis, e a resposta do carro foi a explosão de tudo – imaginou um míssil caindo sobre o prédio, explodindo principalmente o apartamento do décimo-segundo andar, no qual se encontrava, sempre dormindo, sua mulher, seus filhos inúteis e sua sogra recém lipo-aspirada. Quando engatou a ré, posicionando o carro de frente para o portão eletrônico, era um sorriso o que naquele momento decorava seu rosto.
Envolvido pelo som monótono e mecânico de um motor envelhecido de portão, a rua se revelava, lentamente, como se um imenso obstáculo se arrastasse lentamente e deixasse o caminho livre, o que deveria ser a grande metáfora da vida. Uma imensa porta se abrindo, uma série de obstáculos se retirando do caminho, para dar passagem a uma nobre autoridade. Ah, se ainda vivesse no tempo dos Reis! Seria ótimo, com uma única condição, que ele Antônio de Marques fosse um dos escolhidos para viver acima de qualquer nobreza, como único e superior mandatário. Mas voltou a sua condição de plebeu imediatamente após ouvir algo que o acordou: o som da madeira rangendo, se abrindo, da porta do elevador, empurrada pela mão alva mas firme de uma jovem, enquanto o pé, aquela parte do corpo que odiava, mas que para ela caia tão bem, envolvido por uma sandália, apontaria e tocaria o chão coberto de rosas, dando vistas para os maravilhosos dedinhos, e acima deles, surgindo aleatoriamente pela fenda da grande saia, pernas e coxas, movidas acima pela linha da cintura, a barriga levemente sobressaltada - pois a imperfeição era, para as mulheres, o que as tornava em alguns instantes perfeitas – e sobre eles os seios, que não imaginava, pois pertenciam ao universo cego do tato, depois o pescoço e o sinuoso encaixe com a caixa toráxica, o que mais gostava nela e acima seu rosto, seus olhos aleatórios, pois a cada dia era uma surpresa, tristonhos, alegres, lascivos, tranqüilos, ressaqueados – tantos olhos que não parecia caber numa só pessoa – e que hoje apontavam para baixo, talvez para contemplar os lábios, esses sim, infinitamente belos e pequenos, destacados por um discreto brilho. Gostava especialmente de seu cabelo curto, que, de forma alguma lhe dava um aspecto andrógino, pelo contrário, ressaltava toda uma feminilidade e o que parecia uma imensa sabedoria de não se enconder por trás de cabelos longos, ou de máscaras de maquiagens. Como tanta simplicidade poderia despertar tanto desejo, e, por sua vez, tanta angústia, pois assim Antônio parecia constantemente se relacionar com o mundo. Cada passo, cada toque no chão era uma badalada enquanto ele, o pobre, se encontrava preso na sala do sino, em penitência – a alegria de um pássaro amarelo que, trancado, só pode tremer diante das antigas experiências mal resolvidas, por não reconhecer o que é ser feliz, que a felicidade é a promessa de que novos dias azuis seguirão as noites tristes e chuvosas, bastando que, para isso, se encare o momento, que é todo o medo.
Enquanto ele torcia para que o portão se abrisse a tempo de não vê-la, pois não ser capaz de cumprir suas próprias expectativas como o novo homem seria algo terrível, o mundo e o tempo conspirava para sua felicidade, e o portão simplesmente parou e voltou, se fechando. Toc. Toc. Toc. Antes de se dar conta, Antônio já sorria para a janela do passageiro, lá onde ela tocava o vidro, fazendo um leve barulho com a ponta dos dedos, e ele abriu a janela e ela, com um sorriso discreto, dourado pela luz de um sol que magicamente parecia ter surgido acima dos dois, pediu carona, pois sabia que ele, Antônio, trabalhava próximo dela e que saiam sempre no mesmo horário, e que – já dentro do carro – se sentia encabulada demais para pedir isso a ele antes.
Sunday, September 18, 2005
O Morto II
Ainda meio grogue, levantei do chão, apoiando a mão esquerda no banco verde da praça. Limpei a poeira que se depositava em minha roupa e estava pronto para outra. De pé, olhei para frente. Ele estava de costas para mim, caminhando em seu terno bem cortado. Gargalhei, gritando "Ei!!! Olha pra trás..." Quando ele se virou, recebeu a coronhada no nariz e caiu no chão. "Esqueceu o revólver..." disse novamente e com um novo golpe, ele rolou no chão. O terno não estava mais tão bonito como antes. Olhei para o chão, ele tinha agora o rosto vermelho de sangue e eu também. Me ajoelhei e cuspi avermelhado. Tinha esquecido. Nos levantamos, prontos para um ataque cara a cara. Um tiro em troca de uma coronhada. O inconsciente fazia com que a troca fosse justa. Enquanto avançávamos, como deuses do Valhalla, incitados pelo prazer da guerra e morte, ouvimos uma terceira voz: "Parem. Agora." E era o desejo incondicional e sem resistência de um garoto. 10 anos devia ter, no máximo. Parado, sozinho, ele nos olhava, com certa raiva despertada. Encontravam-se o Vendedor, o Artista e o Garoto. O entendimento se fazia completo, sem mais nenhuma palavra.
À frente, na avenida, virando a esquina, um tanque de guerra, acompanhado de soldados. O volume do mundo se agigantava e o Garoto perguntou, se escondendo atrás do banco: "Por quem vocês vão lutar agora?"
O Vendedor e o Artista de reuniram, apertando mãos e correram para a frente. Rápido como um pensamento, desarmaram um dos guardas, transformando os outros em poeira. O tanque, com um desejo, foi cingido por um raio.
Thor e Loki. Apolo e Dioniso. Melkor e Manwë. Deus e Lúcifer.
Thursday, September 15, 2005
Ancour
As quatro da manhã morria de um ataque cardíaco fulminante o pintor Dominique Ancour. Além de seus dedos carcomidos pela tinta e sua barba eternamente por fazer, imortalizada nas caricaturas e numa grande homenagem imóvel, posta na praça dos Quinze, Dominique levava para a tumba o maior segredo de sua arte.
Já havia muitos anos que acadêmicos e membros da plebe debatiam por um sem fim de tempo o que era sem dúvida o maior segredo de Ancour. O que começara em uma simples percepção de um observador na galeria, tinha se transformado em teses que transformaram mestres em doutores, não só em história da arte, mas para na psicologia, filosofia e ciência política. Dominique fora descarnado, desconstruído e reerguido por diversas vezes, num encontro de porquês dos mais variados matizes.
Mas quem tinha a resposta final? Para os historiadores, via-se a inovação da dinâmica surgida da multiplicidade de perspectivas e potencialidades entre o apolíneo e o dionisíaco, numa perspectiva amoral. Enquanto que os cientistas políticos viam a síntese monádica da inexistência de fronteiras que outrora definiam a polaridade de um mundo. Os psicólogos viam obviamente um trauma, e a arte como sintoma da mente de um novo homem, que para os filósofos Nietszcheanos era a viva encarnação do Zaratustra.
O mais curioso é que o tal fenômeno acadêmico atingira, como nem Dali o tinha feito antes, a sociedade dos homens comuns. Era algo estudado então pelos sociólogos, pois Dominique Ancour levara a grande arte novamente ao mundo. Das criptas e sarcófagos dos intelectuais, do prazer auto-erótico da teoria, surgia algo capaz de atiçar a curiosidade dos leitores e homens comuns.
Ancour morreu sem dar resposta à grande pergunta de sua vida: o quadro estava ou não de cabeça para baixo?
Já havia muitos anos que acadêmicos e membros da plebe debatiam por um sem fim de tempo o que era sem dúvida o maior segredo de Ancour. O que começara em uma simples percepção de um observador na galeria, tinha se transformado em teses que transformaram mestres em doutores, não só em história da arte, mas para na psicologia, filosofia e ciência política. Dominique fora descarnado, desconstruído e reerguido por diversas vezes, num encontro de porquês dos mais variados matizes.
Mas quem tinha a resposta final? Para os historiadores, via-se a inovação da dinâmica surgida da multiplicidade de perspectivas e potencialidades entre o apolíneo e o dionisíaco, numa perspectiva amoral. Enquanto que os cientistas políticos viam a síntese monádica da inexistência de fronteiras que outrora definiam a polaridade de um mundo. Os psicólogos viam obviamente um trauma, e a arte como sintoma da mente de um novo homem, que para os filósofos Nietszcheanos era a viva encarnação do Zaratustra.
O mais curioso é que o tal fenômeno acadêmico atingira, como nem Dali o tinha feito antes, a sociedade dos homens comuns. Era algo estudado então pelos sociólogos, pois Dominique Ancour levara a grande arte novamente ao mundo. Das criptas e sarcófagos dos intelectuais, do prazer auto-erótico da teoria, surgia algo capaz de atiçar a curiosidade dos leitores e homens comuns.
Ancour morreu sem dar resposta à grande pergunta de sua vida: o quadro estava ou não de cabeça para baixo?
Liberdade(?)
Ah, liberdade!
Que gosto amargo tem,
Parada, como um nó na garganta.
Ah, liberdade!
Eu, que não sou de ninguém,
Sou só mais um Zé no mundo!
E se eu me chamasse Raimundo,
Este seria apenas um plágio,
Mas nunca um grito, de indignação!
Que liberdade, se minhas mãos estão atadas
Se meu silêncio ainda contempla o mundo
Se não há voz, grito ou sussurro
Que tome conta de mim?
Que gosto amargo tem,
Parada, como um nó na garganta.
Ah, liberdade!
Eu, que não sou de ninguém,
Sou só mais um Zé no mundo!
E se eu me chamasse Raimundo,
Este seria apenas um plágio,
Mas nunca um grito, de indignação!
Que liberdade, se minhas mãos estão atadas
Se meu silêncio ainda contempla o mundo
Se não há voz, grito ou sussurro
Que tome conta de mim?
Sunday, September 11, 2005
O morto
Click. Apontou o revólver para minha cabeça, enquanto eu, distraído, estava sentado num banco. O banco, verde com pedaços enferrujados, estava apoiado no meio da grama, colocado ali provavelmente por engano, pois pertencia ao chão áspero de cimento. Mas aquele não era dia nem hora comum. À frente, depois do fim da grama e da faixa estreita do meio-fio, havia uma enorme avenida, começando da praça e seguindo reta em frente, como se fim não tivesse. Mas tinha fim, provavelmente no encontro entre as colinas e o céu, lá onde se formava o horizonte. Nem uma viva alma passava ali por perto, nenhum grupo fazendo cooper, grupo de piquenique ou grupo de amigos conversando. Eu, sentado, nada de posses e apenas um revólver pressionado contra a minha têmpora esquerda. Não estava incomodando, o cano pressionava só de leve a pele, dando espaço para que eu me virasse para ver o atacante. Eu não olhei. Um tiro só nem deve doer muito.
Daí eu lembrei. O sujeito com o revólver ia ficar sem graça e me julgar mal educado caso eu não olhasse. Me ensinaram a ter respeito pelas pessoas ai fiquei imaginando: o cara matar alguém sem nem olhar no olho? Combatendo a preguiça, fui virando minha cabeça devagar. O cano da arma encontrou abrigo na minha testa, como se tivesse sido desenhado para aquela posição.
Havia algo de familiar no rosto. Os traços, um tanto grossos e um sorriso de dentes pontudos, meio insano. Os olhos, profundos, que só se revelavam verdes a um segundo olhar. O rosto, grande, complementando a cabeça arredondada. O cabelo, curto. Era eu, igual, mas diferente. Apertou o gatilho, a cápsula deflagrada adentrou meu pensamento, que se avermelhou. Um golpe seco, o corpo caindo para o lado, caindo sobre o banco para terminar no chão.
Descarreguei as cinco balas restantes do .38 no corpo. Puro capricho. Exagero estético. Eu só queria. Estranho se ver no chão, morto, sem céu, sem nada. Sem alma fugindo pelos olhos. Um pé depois do outro, fui andando para a avenida. O revólver já era inútil, joguei fora.
Daí eu lembrei. O sujeito com o revólver ia ficar sem graça e me julgar mal educado caso eu não olhasse. Me ensinaram a ter respeito pelas pessoas ai fiquei imaginando: o cara matar alguém sem nem olhar no olho? Combatendo a preguiça, fui virando minha cabeça devagar. O cano da arma encontrou abrigo na minha testa, como se tivesse sido desenhado para aquela posição.
Havia algo de familiar no rosto. Os traços, um tanto grossos e um sorriso de dentes pontudos, meio insano. Os olhos, profundos, que só se revelavam verdes a um segundo olhar. O rosto, grande, complementando a cabeça arredondada. O cabelo, curto. Era eu, igual, mas diferente. Apertou o gatilho, a cápsula deflagrada adentrou meu pensamento, que se avermelhou. Um golpe seco, o corpo caindo para o lado, caindo sobre o banco para terminar no chão.
Descarreguei as cinco balas restantes do .38 no corpo. Puro capricho. Exagero estético. Eu só queria. Estranho se ver no chão, morto, sem céu, sem nada. Sem alma fugindo pelos olhos. Um pé depois do outro, fui andando para a avenida. O revólver já era inútil, joguei fora.
Saturday, September 10, 2005
Mudanças
Desde sempre eu tive uma fé enorme na mudança, na capacidade que um ser humano tinha de se transformar em alguma coisa, no compromisso com o futuro que todo mundo tinha e que isto era algo que nos acompanhava como uma tatuagem, ou que corria no sangue, lá na raiz mesmo, no nosso DNA. Anos foram se passando e o choque para a vida adulta começou a desmistificar e destruir praticamente tudo o que eu acreditava. Uma por uma, foram sendo jogadas no lixo várias e várias coisas que eu pensava, minhas crenças, meus ideais e mesmo os meus sonhos. A mudança, último alvo, também acabou por ruir.
Mas acredito num processo de destruição criativa. O que aconteceu em mim foi algo profundamente necessário, algo inevitável, com um momento certo para acontecer. Sou um tanto adepto do caos. A destruição sem sentido não serve de nada. Mas a destruição que acontece para erigir algo em seu lugar, como a queimada que enriquece o solo para dar novas safras, ou para o plantio de novas culturas, tem seu sentido. Se há algo que nesse mundo eu considere sagrado é essa capacidade de morrer e renascer que nós temos.
O mais curioso de tudo é que há algum tempo eu tinha uma boa idéia de que tipo de pessoa, de que tipo de homem eu ia me tornar. Só que a gente nunca sabe como será o futuro, pois a nossa mente no futuro não pode ser pensada no agora. É olhando para trás que a gente vai conseguir um senso de processo, uma idéia do que aconteceu. Um professor meu disse que é difícil prever o futuro pois o paradigma do futuro é diferente daquele do presente. O modo de pensar do presente não é o modo de pensar do futuro. Heis a mudança realmente radical. Olhando para trás entendo que eu pensava diferente ou, na verdade, eu não me conhecia muito bem para me entender o suficiente.
Ter um senso poderoso de identidade é algo que mexe fortemente com as pessoas. Quando a gente percebe que precisa abaixar o volume do mundo externo e nos focarmos em nós mesmos, entendendo como funcionamos, ficamos mais livres. Liberdade é, no fim, um senso de si mesmo inabalável. Um atleta quando faz uma performance grandiosa o faz não só por estar condicionado fisicamente, mas por ter conquistado um senso de consciência. Ele percebe em si mesmo um centro, um ponto fixo, que lhe serve de apoio.
Gosto de pensar que esse centro é como o olho de um furacão. Tudo em volta pode estar girando mas ali, no centro, as coisas continuam tranquilas e sob controle. Tudo pode ser destruido, lançado para fora do seu centro original. Aqueles que reconhecem em si mesmos um centro não serão lançados contra os próprios desejos na tempestade, de um lado para o outro, rodopiando continuamente. Apesar de poderem se relacionar com o ambiente externo, eles não estarão submetidos a todos os efeitos das intempéries pois haverá sempre para onde voltar.
Acho que, no fundo, a gente muda menos do que acredita. A mudança que a gente percebe está muito mais no reconhecimento do que realmente somos. Está no autoconhecimento. Mais importante de tudo é que esse autoconhecimento só acontece com a experiência, com a prática. A experiência, não uma experiência meramente cronológica, pois tem gente que apesar de velho no fundo não aprendeu tanta coisa, nada do gosto, da cor, do cheiro e do sentimento. Tudo o que, no mundo, tem primazia.
Mas acredito num processo de destruição criativa. O que aconteceu em mim foi algo profundamente necessário, algo inevitável, com um momento certo para acontecer. Sou um tanto adepto do caos. A destruição sem sentido não serve de nada. Mas a destruição que acontece para erigir algo em seu lugar, como a queimada que enriquece o solo para dar novas safras, ou para o plantio de novas culturas, tem seu sentido. Se há algo que nesse mundo eu considere sagrado é essa capacidade de morrer e renascer que nós temos.
O mais curioso de tudo é que há algum tempo eu tinha uma boa idéia de que tipo de pessoa, de que tipo de homem eu ia me tornar. Só que a gente nunca sabe como será o futuro, pois a nossa mente no futuro não pode ser pensada no agora. É olhando para trás que a gente vai conseguir um senso de processo, uma idéia do que aconteceu. Um professor meu disse que é difícil prever o futuro pois o paradigma do futuro é diferente daquele do presente. O modo de pensar do presente não é o modo de pensar do futuro. Heis a mudança realmente radical. Olhando para trás entendo que eu pensava diferente ou, na verdade, eu não me conhecia muito bem para me entender o suficiente.
Ter um senso poderoso de identidade é algo que mexe fortemente com as pessoas. Quando a gente percebe que precisa abaixar o volume do mundo externo e nos focarmos em nós mesmos, entendendo como funcionamos, ficamos mais livres. Liberdade é, no fim, um senso de si mesmo inabalável. Um atleta quando faz uma performance grandiosa o faz não só por estar condicionado fisicamente, mas por ter conquistado um senso de consciência. Ele percebe em si mesmo um centro, um ponto fixo, que lhe serve de apoio.
Gosto de pensar que esse centro é como o olho de um furacão. Tudo em volta pode estar girando mas ali, no centro, as coisas continuam tranquilas e sob controle. Tudo pode ser destruido, lançado para fora do seu centro original. Aqueles que reconhecem em si mesmos um centro não serão lançados contra os próprios desejos na tempestade, de um lado para o outro, rodopiando continuamente. Apesar de poderem se relacionar com o ambiente externo, eles não estarão submetidos a todos os efeitos das intempéries pois haverá sempre para onde voltar.
Acho que, no fundo, a gente muda menos do que acredita. A mudança que a gente percebe está muito mais no reconhecimento do que realmente somos. Está no autoconhecimento. Mais importante de tudo é que esse autoconhecimento só acontece com a experiência, com a prática. A experiência, não uma experiência meramente cronológica, pois tem gente que apesar de velho no fundo não aprendeu tanta coisa, nada do gosto, da cor, do cheiro e do sentimento. Tudo o que, no mundo, tem primazia.
Monday, August 29, 2005
Tendo a Lua
Hoje joguei tanta coisa fora
Vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora.
A casa fica bem melhor assim
Paralamas. Falar o que mais dos Paralamas? Coisa de meus últimos dias, da última semana, passado se desfazendo e "desassombrando". Liberdade é coisa diferente do que a gente imagina, ela sempre vai exigir muito mais da gente do que pensávamos quando não a possuíamos. Corta-se um pedaço da personalidade, como se, da noite por dia, nossos pés tivessem sido cortados e, a partir de agora, tivéssemos um par de asas. O que fazer quando você não tem mais pés e ainda parecem estranhas aquelas duas asas nas suas costas? Asas sem jeito, sem camisa que as cubra, denunciando a diferença, pondo exposta o que você realmente é naquele momento. Mas ambas tem funcionalidade, a gente vai aprendendo, vê que dá pra flutuar, que não é necessário subir aos altos céus, aos 10.000 metros de altitude, vendo tudo pequeno, lá da distância. Coisa de gente louca.
Vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora.
A casa fica bem melhor assim
Paralamas. Falar o que mais dos Paralamas? Coisa de meus últimos dias, da última semana, passado se desfazendo e "desassombrando". Liberdade é coisa diferente do que a gente imagina, ela sempre vai exigir muito mais da gente do que pensávamos quando não a possuíamos. Corta-se um pedaço da personalidade, como se, da noite por dia, nossos pés tivessem sido cortados e, a partir de agora, tivéssemos um par de asas. O que fazer quando você não tem mais pés e ainda parecem estranhas aquelas duas asas nas suas costas? Asas sem jeito, sem camisa que as cubra, denunciando a diferença, pondo exposta o que você realmente é naquele momento. Mas ambas tem funcionalidade, a gente vai aprendendo, vê que dá pra flutuar, que não é necessário subir aos altos céus, aos 10.000 metros de altitude, vendo tudo pequeno, lá da distância. Coisa de gente louca.
Sunday, August 28, 2005
Deu no jornal
Na manchete, algo pouco comum, um tipo de notícia cuja informação caberia a uma simples nota, de poucas linhas. Sim, a noite, por motivos cardíacos, tinha morrido um poeta, desses que talvez ficasse conhecido mais pelo título dado por aqueles que pouco sabiam realmente de poesia que propriamente pelo que ele escrevia. É, tinha coração o tal poeta, tentado a virar poeta beat, poetizando sua vida crua de ser humano. Todo o resto seria fantasia na tal vida do tal escrevinhador. Caira, sem alarde, no chão, ganhando um ferimento na cabeça ao atingir o mármore frio. Se ele não tivesse morrido do ataque cardíaco, provavelmente carregaria para o resto de seus dias uma cicatriz. Externada, na testa, ela ficaria cravada no cérebro tal qual uma raiz com múltiplas ramificações. Uma cicatriz tão profunda que, se retirada por um cirurgião plástico continuaria crescendo para dentro e voltaria a ser objeto de decoração.
Mas havia algo de extraordinário naquela morte. O corpo tinha sumido logo na primeira noite. Segundo alguns funcionários da morgue, acometidos de alucinações noturnas, típicas de trabalhadores desse tipo de estabelecimento, ele tinha saído andando. Diziam que o homem parecia mais escuro que antes, tinha também olhos um pouco menos brilhantes que de um vivo, de uma coloração sobrenatural-esverdeada.
Mas havia algo de extraordinário naquela morte. O corpo tinha sumido logo na primeira noite. Segundo alguns funcionários da morgue, acometidos de alucinações noturnas, típicas de trabalhadores desse tipo de estabelecimento, ele tinha saído andando. Diziam que o homem parecia mais escuro que antes, tinha também olhos um pouco menos brilhantes que de um vivo, de uma coloração sobrenatural-esverdeada.
Friday, August 26, 2005
Personalidade
Um embolado novelo de linha
Que distendido corta.
E fere e se auto-fere e se imola
E se perde, perde a hora,
O momento, o encontro.
Personalidade, um ninho de fiapos,
Catados e ajuntados ao longo de outra linha
Que começa, corta e termina.
Que distendido corta.
E fere e se auto-fere e se imola
E se perde, perde a hora,
O momento, o encontro.
Personalidade, um ninho de fiapos,
Catados e ajuntados ao longo de outra linha
Que começa, corta e termina.
Desejo
Caso entendas essa poesia
chama-me,
ou caso não possas
mas queiras fazê-lo,
ainda sim, chama-me
pois me conheces
por conheceres
o que há de humano
em todos os versos.
chama-me,
ou caso não possas
mas queiras fazê-lo,
ainda sim, chama-me
pois me conheces
por conheceres
o que há de humano
em todos os versos.
Thursday, August 25, 2005
Auto-análise
Enquanto a vida se desdobra
eu vejo a lua nova.
Escurece a noite
e eu fecho a porta.
Do meu canto recluso
olho então para o céu
que todavia ainda não existe.
Olho para o mundo
eu estou em todo ele.
Sem olhar de verdade
vejo um quarto vazio
e meu silêncio dizendo:
ainda é cedo.
Virão outras luas,
outros sentimentos
outros rostos.
Eu serei outro
mas na semente o mesmo
dormirá sonhando.
Noutro dia
eu vejo a lua cheia.
Esclarece a noite
e eu abro a porta.
Olho para cima
e existe céu
céu além dos prédios,
céu além de mim.
Eu não olho para mim
há todo um mundo;
então meu silêncio cessa
e eu grito: - identidade -
essa é a hora.
eu vejo a lua nova.
Escurece a noite
e eu fecho a porta.
Do meu canto recluso
olho então para o céu
que todavia ainda não existe.
Olho para o mundo
eu estou em todo ele.
Sem olhar de verdade
vejo um quarto vazio
e meu silêncio dizendo:
ainda é cedo.
Virão outras luas,
outros sentimentos
outros rostos.
Eu serei outro
mas na semente o mesmo
dormirá sonhando.
Noutro dia
eu vejo a lua cheia.
Esclarece a noite
e eu abro a porta.
Olho para cima
e existe céu
céu além dos prédios,
céu além de mim.
Eu não olho para mim
há todo um mundo;
então meu silêncio cessa
e eu grito: - identidade -
essa é a hora.
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