Wednesday, December 20, 2006

Retorno em espiral

Um dançarino percorre com seus movimentos a borda de um abismo e a única coisa que o separa da queda é uma tênue corda, flutuando misteriosamente em forma de espiral.

As coisas parecem ser repetições delas mesmas, só que vistas de novas perspectivas, diferentes níveis de consciência. O que já basta para que elas não sejam as mesmas.

Começando o caminho da espiral pelo centro, passamos pelo mesmo ponto de novo e de novo, mas numa curva mais aberta da espiral.

Silêncio.

E o silêncio de hoje é completamente diferente do meu silêncio que foi ontem.

André C.

Wednesday, November 29, 2006

I'm alive and vivo muito vivo, vivo, vivo

"I’m alive and vivo muito vivo, vivo, vivo
Feel the sound of music banging in my belly
Know that one day I must die
I’m alive"

Nine out of ten
Caetano Veloso



André C.

Thursday, November 23, 2006

Tudo bem

- Tá tudo bem.

Era o que, entre as lágrimas, se podia ouvir. Lágrimas temerosas, envergonhadas, a princípio, como a água que começa lentamente a correr no leito do rio, quando do fim da seca.

- Mas então, o que aconteceu?

Eu poderia comparar as lágrimas às gotas da chuva criadeira. Aquela chuva que enobrece a terra, trazendo o crescimento das sementes. A chuva que cai porque tem que cair. A chuva que cai para esvaziar as nuvens da cor cinza. A chuva que inaugura uma imensidão azulada.

- Tudo aconteceu. Tudo, mas tudo mesmo, ainda que, aparentemente, tivesse parecendo que fosse nada.

Ainda que houvesse no princípio mudez. Mudez feito o caos do início dos tempos, cravado no vácuo. Mudez que não era falta do que dizer. Mudez da dificuldade de tornar em texto a metáfora. Ah, se pudessemos falar em imagens.

Tentei. Eu griteu lápide! Griteu nuvem negra e raio! Gritei dor. Dor que pede bálsamo. E depois de tanto grito eu consegui sussurar: paz. Vida. Sim.

Eu que pensava que pensar era ruim, descobri que pensar é só pensamento. Trarei tal pensamento nos braços, acalentado, feito o menino jesus do Alberto Caeiro.

André C.

Wednesday, November 22, 2006

Canto

"Porque o instante existe". E vejo a fumaça, dançando no ar. O que eu imagino é essa fumaça, tomando em neblina todo o quarto. Então ela toma forma, saída de Maya, se transforma e vejo alguém. Tornada realidade, faz-se a presença. Então vejo a linha do seu pescoço, assim, curvilínea, e é como se meu olhar brincasse, te descobrindo. É como se meu toque e meu beijo, detalhe por detalhe, pudesse te construir. Adoro essa sua curva do pescoço. Dá vontade de deitar... e então olhar para cima.

Quem eu enxergo? Ah, bastasse a brincadeira de abrir e fechar os olhos, imaginando um mundo ficar mais triste, no escuro, e então mais feliz, pois a luz te revela. Vejo sempre um jeito de sorrir, combinado perfeitamente com um jeito de olhar com olhos entreabertos. Ouço música, de Chico Buarque: “é na soma do seu olhar / que eu vou me conhecer inteiro. / Se nasci pra enfrentar o mar”.

Fico pensando o que há por detrás dessas duas janelas. Mas o que vejo, mesmo que não digam em palavras, me dá a sensação de acolhida. E eu te beijo, e há sempre um pequeno detalhe a descobrir. É um pulo discreto e ai já estou ouvindo sua voz ao pé do ouvido, mais um pouco e te sinto muito próxima.

Deixo que minhas mãos caminhem, que meu tato também contribua para o seu desenho. Percorro seu corpo, demoro meus dedos em suas costas... há algo de mágico e elétrico no arrepio irradiado da sua pele. Me convida sempre a procura, me surpreendendo. Mistério cantando feito sereia para um curioso do mundo.

E eu ouço o canto que diz que a vida não é sempre luta. Pode ser aventura e descoberta.

Saturday, November 18, 2006

Em potência

Spinoza fala do desenvolvimento humano usando a imagem da árvore. A árvore cresce e se desenvolve, partindo de um centro enraizado para alçar as alturas em seu caminho envergado. Seus galhos, orgânicos, se fazem de forma assimétrica, pois assim é o que cresce naturalmente.

Cada pessoa é assim uma árvore. Ela se desenvolve dentro de suas potencialidades, múltiplas já em sua semente. Tudo o que haverá cabe naquele uno mínimo, talvez as tais 21 gramas que pesam a energia vital de seres humanos. Uma pessoa é uma árvore que vai, ao longo da vida, estendendo seus galhos... o limite é de cada um.

Nem sempre há sol para todos ou nutrientes suficientes para permitir o desenvolvimento ótimo. Muitas vezes a árvore que tinha tudo para definhar floresce, pois, além das regras lógicas, sempre existe a surpresa e o mistério do que é o ser humano. Pois a árvore não é apenas uma árvore, ela é o símbolo da divindade. O símbolo do Ser. O ser é aquilo que, no humano, não pode nunca ser destruído.

O ser é o centro, o Deus que é o arquétipo da totalidade presente em tudo o que vive. A identificação com o ser, o real que não pode ser destruído, é a vivência da experiência mística. O momento presente, quando se quebra a dualidade... não se escuta a quebra da dualidade, mas é poderoso, como o big bang, explodindo silenciosamente no vácuo.

Mas é belo o romper do tempo. Como é belo!

O Ser mora no momento, escondido e sempre presente no agora. O medo de perder o momento e o apego ao que, ilusoriamente, se acredita ter, asfixia e mata o ser. Não permite que a árvore renda flores, que espalham seu cheiro e embelezam a paisagem, nem permite que dê frutos, que poderiam ser lançados livres ao mundo.

O momento é uma pétala, o momento é uma rosa. Na natureza das coisas, ele surge e passa, quem teima em mantê-lo preso, enclausurado no caixão da perenidade, vê tal rosa murchar. Rosa que é feita para abrir-se e libertar-se em queda livre. Tentar impedir a ação da gravidade, permitindo a queda inevitável é o mesmo que calar-se, quando a hora é de canto.

André C.

Monday, November 06, 2006

Onde estão? - Skank

"Abro os braços
Tanta emoção
Quando eu irei te ver?
No jardim, essas rosas
Que eu plantei
Mas eu não sei
Se estão
Mortas ou em botão

Fecho os olhos
Peço para Deus
Que tente entender
Esses versos e prosa
Que eu não sei
Se eu deixei em vão
Tocar a imensidão"

A vida e a sua cadência, ritmo belo, tocado com a maestria de um mestre do choro. E vive a poesia, desafiando o limite da palavra, apontando com o dedo em riste, para quem lê, um belo céu de eternidade.

Um brinde ao momento, que canta feliz: "sou o sempre".

André C.

Thursday, November 02, 2006

Caverna

O Baghavad Gita diz: "tudo o que é real não pode ser destruído." Ontem eu estava pensando nisso, buscando em mim tudo o que há que não me pode ser tirado. Fiz o exercício de me imaginar despido de várias coisas, até o último elemento. Queria e quero encontrar todos os elementos realmente meus, independentes de algo além de mim.

Fui cortanto a carne aos poucos. Sem meu trabalho, sem minha família, sem meu carro, sem mulheres, sem o curso de faculdade, sem amigos, sem conhecidos, sem minha deficiência, sem cadeira de rodas, sem histórias, sem livros, sem apartamento, sem pessoas, sem chuva, dias de sol, sem mundo externo. Sem nada que não coubesse inteiramente em mim. Buscando, em meu centro, aquela esfera indestrutível que sempre me acompanha, que sempre esteve lá.

Nesse ponto, vejo que não tenho nada. A parte disso, sou um monte de coisas.

Nada nem ninguém pode me tirar: minha imaginação, minha experiência e vivências nesse mundo, minha busca pela beleza, minha sempre afiada imaginação, meu corpo. Minha energia, que me circula todo o tempo. Minha poesia e minha expressão. Minha liberdade.

Havia um dragão negro que morava na caverna. Ele tinha tesouros e guardava uma donzela. Mas de nada podia desfrutar: nem dos tesouros muito menos da donzela. Sua missão: guardar e guardar e guardar. Ele era pesado e tinha asas curtas, preso firmemente no chão. Pois eu o vi se transformar, escama por escama, em prata, seu corpo transmutado no de um dragão chinês. Eu o vi partir da caverna, serpenteando aéreo, carregando o herói e a donzela, para longe.

Descobri que a caverna, agora iluminada, não era simples pedra, era na verdade um imenso templo, marcado pela quase eternidade pelas habilidosas mãos de um artista primitivo. Ali aprenderam os feiticeiros a conversar com os pássaros e reverenciar os grandes poderes. Ali, no ventre profundo da terra, se aprendem os símbolos que conduzem à vida.

André C.

Wednesday, November 01, 2006

Bem-aventurança

"Pondo-se no encalço da sua bem-aventurança, você se coloca numa espécie de trilha que esteve aí o tempo todo, à sua espera, e a vida que você tem de viver é essa mesma que você está vivendo. Onde quer que esteja - se estiver no encalço da sua bem-aventurança, estará desfrutando aquele frescor, aquela vida intensa dentro de você, o tempo todo."Joseph Campbell

Isso é eternidade, sonho de viver com brilho perene no olhar.

Preenchendo feito água o curso do rio que é só seu.

André C.

Sunday, October 29, 2006

Caminhar

Caminhar é seguir o próprio caminho, é viver a vida que é sua, e de mais ninguém. O próprio caminho só um pode seguir, a experiência é de quem a vive, ainda que a tentem transmutar em palavras e transportá-la a um outro.

No entanto, quando seguimos nossa estrada, só nossa, vemos chegarem companheiros de viagem. Então o caminhante, que faz caminho ao andar, carregando a própria bagagem, vê por alguns momentos coincidir o seu caminho com um outro caminhante.

E os dois ou mais caminhantes seguem, pois há sincronicidade de caminhos, pois há partilha de amor pelo destino. Então eles caminham, um tanto cegos, as vezes certos, outras tropegamente, mas, enfim, eles caminham.

E num dia, os caminhantes, na sinceridade de seguir aonde o pé e a natureza aponta, seguem caminhos diversos. Pode então haver uma ponta de tristeza, mas a vida tem também disso, por ser humana. Ainda sim, se separam e seguem aonde tem que ir.

Talvez nunca se reencontrem. Talvez num ponto mais adiante os caminhos voltem a coincidir. Assim é a vida. E as flores continuarão florescendo e morrendo, as árvores perderão folhas, as chuvas ganharão em vento. Tudo seguirá, naturalmente.

Portanto, que a cegueira não nos impeça de ver nossos companheiros de viagem e que o que a vida demonstra não seja negado. Que nos preocupemos então, mais em seguir a viagem, experienciando, que em possuir os castelos estáticos parados à beira da estrada.

Viver é muito perigoso, dizem. Pois cabe o amor ao vento dos suicidas, que grita, à beira do abismo, que o ser humano pode, sim, voar.

André C.

Tuesday, October 17, 2006

Odin

O nome de Odin, deus maior da mitologia nórdica, quer dizer literalmente "deus caolho". Conta o mito que ele vendeu um de seus olhos em troca de sabedoria. Fazendo uma leitura simbólica disso, podemos dizer que Odin, ao perder um de seus olhos, ganha em sabedoria pois passa a contar, a partir dai, com uma visão que se dirige para dentro. Sabedoria é ter um olho apontado para o mundo, para o exterior, ao mesmo tempo que se tem o outro olho voltado para si mesmo, o interior.

Quem só olha para fora ou só olha para dentro vê as coisas de forma parcial. Aprendi uma técnica que reflete isso. Ter o olho voltado para o interior é ter a percepção acurada do próprio corpo, sentindo-o profundamente. Quando atentos é fácil perceber que há uma vibração constante que envolve nosso corpo ao longo de todo dia. Estar atento a isso é estar consciente do seu próprio espaço ocupado no tempo e no mundo. Ao mesmo tempo em que se tem consciência dessa vibração a princípio tênue, pode-se direcionar o olhar para fora, numa interação com o mundo que acontece ancorada no si mesmo.

O Zen Budismo afirma uma vida de meditação constante, independente do indivíduo estar numa montanha ou no meio do trânsito dos carros. Também o hinduísmo do Baghavad Gita: ter a atenção sempre voltada para Crisna, em devoção e amor, independente da ação que se toma. Há sempre o casamento entre mundo e indivíduo. A quebra da dualidade, tema recorrente de todas as tradições místicas ou baseadas na vivência de cada pessoa.

Wednesday, October 11, 2006

e eu era menino

Eu vejo um menino, dentro do campo coberto de futebol de salão, correndo de um lado ao outro, de uma trave para a outra, com o peito pra frente e um sorriso enorme no rosto. O vento produzido pela própria velocidade e o poder de se estar sozinho e livre. Nesse momento perfeito, não há quem olhe ou julgue, o que existe é o menino, um menino que dá saudade de ser. Ah, como lembrar disso me traz algo que me embarga a garganta, que traz aos olhos aquelas lágrimas de quem, depois da dor, reencontrou algo perdido.

Num dia, aquele menino que corria tropeçou, e o gol não era rede, era de grade, e ele se feriu, sentiu dor e viu o sangue. Ele nunca mais tinha corrido, pois só lembrava da dor. Mas, muito maior que a dor, foi a sensação de correr. Ele não era nem de perto o mais rápido ou o mais atlético. Mas eu garanto que, naqueles momentos, que dia após dia se repetiram, ele era livre e feliz demais.

Ele voltou em sonho, na forma de um cavalo branco. Espírito do vento que corria também contra um gol, para acertar a cabeça. Mas ele, em forma de cavalo, não veio para me contar a dor. Veio para me falar da profunda experiência de se estar vivo, fazendo o que é de desejo, independente do conceito externo do que é certo ou errado. Ele corria para sentir o mundo.

Agora eu o vejo aqui do meu lado. Ele olha e sorri, orgulhoso, feito o Pedrinho das histórias do Monteiro Lobato. Um Peter Pan com canivete de escoteiro. Com os olhos brilhando constantemente, cantando a canção do universo e da celebração do mistério profundo do existir.

André C.

Além do certo e do errado

Eu não quero fazer o certo. Também não quero fazer o errado. Eu quero viver a minha, independente desses dois conceitos, duas idéias externas, que por fim não dizem respeito ao que é a minha vida. Vivi a vida inteira meio que apegado à idéia de obrigação. Bem, foda-se a obrigação, quero dizer com força. Tudo que vira obrigação pra mim perde a graça e o prazer de fazer. Viva Krishna quando diz que a gente não tem que ligar pro resultado. Importa é o processo... uma vida de obrigações é feia e cansativa, repetitiva. De novo, viva o Baghavad Gita, quando diz: vive em contemplação e amor a Krishna... em vez de se estar apaixonado com algo específico, melhor se apaixonar com a totalidade. Amor fatti!!! Se o amor se direciona à totalidade, você perde o medo de perder, pois tudo vira ganho. Se a vida é vista como uma arte que se constrói, tudo, mas tudo mesmo, cabe nela. Um cuspe na cara da moralidade é o sorriso no rosto do condenado frente ao fuzilamento. Amor fatti. Amor ao destino. Que a vida seja portanto em rede: rede de felicidades e rede de dores, ganhar na perspectiva que o pequeno, o simples, o detalhe, é um quadradinho da colcha de retalhos aparentemente meio descombinada que é a vida. Eu quero olhar pra colcha de retalhos e ver um negócio meio brega, multicolorido, misturando Frank Sinatra com Jethro Tull e balinha de jujuba. Que a minha vida, por fim, seja algo que suspenda o ar de quem me olha, evocando qualquer coisa, um sorriso ou um grito, qualquer coisa menos a indiferença. Qualquer coisa menos o certo e o errado. Que a linha do meu tecer não seja a linha mais correta, a mais forte, a mais fraca ou a mais qualquer coisa. Que a linha que tece a minha colcha seja simplesmente a minha linha, tramado descompensado mas de vez em quando bem apaixonado com o grito do que é ser algo que nunca se definirá. A beleza é saber que nada está acabado, tudo existe em seu pleno inacabamento. Tudo e todos são plenos de por fazeres. Somos o eterno devir mesmo.... Eterno porque existimos além do tempo, da dualidade do certo e errado. Assim, paramos o tempo toda hora. Devir porque nada é constante e o próprio céu pode cair e virar um pedação de mar.

André C.

Sunday, October 08, 2006

Instante no mundo

Sentado ali, desconhecido, ele poderia ser visto como muitas coisas. Via-se ao seu redor um conjunto de mesas, todas circulares, construídas de uma pedra que era a imitação de um mármore, este, por sua vez, entrincheirado pelo que pareciam veias esverdeadas ou cânions aleatórios construídos pelas vielas do tempo. Mas o que importava o mármore, o que importava aquilo que para uma pessoa poderia ser considerado eterno, infinito em sua estabilidade, emparedado. Mesas, mesas que eu seu nascimento eram magma, mesas que depois se solidificaram, que assistiram ao seu redor não aquele tempo que ali se desenhava, mesas que serviram de banquetes a dinossauros, que assistiram, de sua visão milenar, a vida da terra, em ciclo se dissipando, em ciclos ganhando em beleza e desenvolvimento. Mesas que naquele século viram letras derramadas sobre si, pois aquele lugar era uma livraria, e eram tantas as letras, nobres algumas, um tanto chulas outras, talvez um poema ou uma carta, ou palavras multiplicadas numa caricatura de contornos difíceis de definir. Formas, umas contra as outras, umas com as outras, biológicas a princípio mas dadas ao fim como as pessoas, dadas a si mesmas em seus nascimentos. Nem só de palavras viviam os clientes do bar, sim, pois ali, além de livraria, era em si um bar. Olhar para dentro do copo era viver pequenas revoluções, que subiam lá debaixo até que tocassem a camada espessa que impingia um limite, como as camadas de gelo do pólo norte, que eram, à primeira vista, fixas no horizonte mas que escondiam, para baixo, um movimento que não cessava. Ao levantar de copos, o frescor líquido era incorporado, apropriado por sua vez pelos que se sentavam à mesa.

Quem teria dificuldade de contar a própria história quando a realidade se mostrava tão agradável ao ver-se que no interior do que parecia estável, se desenhava a mudança do caminho incessante? Que vida, por mais rotineira que fosse, não ganhava em sua sombra submetida aos caprichos da luz das velas, tanta variedade e imprevisibilidade? Restavam das batalhas vencidas, sempre as armas e partes de armadura, corpos e sangue, para que o escritor, feito antropólogo, construísse com as sombras, com as pistas, uma história carregada com o fardo e a benção da humanidade. Escrever motivado pela vontade de estar em todos os momentos da vida, nos instantes da lágrima arredia que cai sem autorização, nos momentos em que os olhos se fecham para sempre, no espaço entre a última penetração e o gosto do orgasmo, na arte da confecção dos bichos da seda, nos olhos acesos em chamas ou apagados no poço da infelicidade. Tudo, em fim, que dissesse, em seus meandros: “sou um legítimo filho do mundo, existo sem que se entenda o motivo, tenho vida e constância, ainda que de mim seja difícil aprender qualquer coisa”. Transformar os atos indizíveis do mundo em palavras, dando a cada elemento a dignidade que lhes foi furtada.

“Dignidade” era então a primeira palavra do parágrafo, lá onde se iniciavam as obras dos grandes e pequenos homens, além dos médios, sobre os quais, no fundo, se realmente escrevia, pois neles está a universalidade desenhada. Pois neles, médios, se encontra a maior parte da pulsão da vida, pressionada e ferida pelos desejos dos extremos. A própria melancolia era um sentimento médio, ao colocar aquele acometido por ela no meio do caminho, preocupado com as setas, cujas placas apagadas, não mais serviam de referência. O homem, completo e sozinho, obrigado a virar sua própria referência.

André C.

Saturday, October 07, 2006

Motivo

Escrevo
para quebrar no meio a ansiedade
e ver que, por trás do pano,
ainda que falte sentido
existe um bocado de arte.

Enquanto expressividade
cabe à vida dar conta de tudo
seja esta uma peça de retalhos
ou um dócil bordado de rendeira.

Escrevo por impulso,
enquanto exercício
que ensina, via insight,
por experiência vivida.

André C.

A Roda

Para os orientais a roda de samsara representa o mergulho na ação sem sentido, sem consciência. O sábio é aquele que se identifica com o centro da roda, onde tudo é estático, apesar de estar em movimento. Para Nietszche, a criança, última fase do desenvolvimento humano, é um furacão cujo centro está em tudo, no mundo fora dela. Um insight basta e agora isso passa a fazer sentido para mim.

Meu pensamento, hoje, está me fazendo rodar, sem sentido, numa velocidade absurda. E tudo, assim, parece se dissolver nessa velocidade. Deve ser um dia de torre, em que tudo que se faz parece guardar em si um fracasso. O tempo hoje, chuvoso, e minha dificuldade de parar a mente, me dizem claramente: um bom dia para se esconder do mundo. Eu nunca me acostumo com esses meus momentos. Tudo e todos se fecham. No fundo, passado o dia, eu sei que tudo novamente se abrirá, mas a sensação de se estar num porão escuro é de tal forma poderosa que parece que vai durar todo o tempo do mundo.

E eu sempre me esqueço que isso pouco tem a ver com o mundo. Não tem causa externa em especial, por mais que eu procure identificá-la. Pois quem me chama, me provoca, sou eu mesmo, rasgando o ventre da terra para emergir e me enfrentar. Sempre, disso, vem algum crescimento... mas sempre, sempre é preferível aprender com um sorriso no rosto que de quaquer outra forma. Acho que é isso, eu quero rir na cara desse dia estranho. Não sei se devo abrir a porta. Talvez eu deva fechá-la por um tempo, ficando confortável no escuro e me preparando para o enfrentamento.

Mas não precisa ser guerra. Pode ser uma conversa ou até mesmo um bom xingamento entre amigos.

André C.

Friday, October 06, 2006

Canto

Ele tem um pé levantado, posto no ar
- dizem que é yogue, mas no meu bom brasil
alguém diria que é capoeirista dos bons -
e outro, ancorado na vida, de quem sabe por vivência.

(O bom e velho diabo, que sabe mais por velho,
aprendizado mais de sentir o cheiro da bela flor do cabo,
que pelo título oficializado de pé-preto.)

Com o tambor ele acorda o mundo e canta,
para depois com o fogo romper o véu do tempo
em dança, ritmado no som do universo...
Pois, enfim, eu canto o ciclo!

(Lúcifer, o amante inveterado de Jeová,
que por sua fidelidade eterna, de só obedecer a deus
mas nunca aos humanos, foi lançado aos infernos:
o apaixonado posto longe do objeto amado)

Canto porque "o instante existe e
não sou alegre nem sou triste, sou poeta"
e viva o sangue eterno da asa ritmada!

Faço como os hindus
olho para frente e vivo: "eu sou Shiva"
me identifico, a caminho da união
com os poderes da vida.

André C.

Minimalismo

Pouca coisa existe
além do todo
que se pega de imediato.

Sabe mais o olhar
do que entende
o pensamento.

O grande cabe no átimo
já o fim existe no começo
e gastar o próprio medo
é o que custa a liberdade.

Mas basta confiar no caminho construído com a simplicidade de um pé que segue a direção do outro. Tudo segue, em travessia.

André C.

Insustentável?

À frente, uma estrada de vias curvas e pedras cravadas pela passagem do tempo e os cascos dos cavalos. Entre cada rocha, cresce, em forma verde, um pouco de grama, feito uma antiga estrada romana. Em ambos os lados, árvores de variados tamanhos se revezam... cheiro de mato molhado, flores adocicadas pela chuva, eucaliptos. Enquanto se caminha, vê-se que a floresta é povoada. Vivem animais diversos, insetos, cavalos e toda uma população denunciada pelos sons que se entranham na mata. Há pessoas, também, os múltiplos caminhantes e aventureiros ao longo do caminho. Na estrada, vê-se encontros e desencontros, em encruzilhadas e travessias que se cruzam. O caminhante sincero, tem seu caminho e não se desvia. Os que caminham com ele caminham com a sinceridade de quem partilha o caminho.

No céu, à direita, a Lua cheia noturna, declarando aos quatro ventos sua fertilidade, pois tudo cresce e se renova. Sua luz é inspiração de poeta ou de viajante inspirado, que entende seu tamanho frente à grandiosidade das coisas. Este é um aventureiro que não se afirma mar, sendo apenas uma gota. Mas que, reconhecido enquanto gota, se entende como a metonímia do mundo. O microcosmo pulsante que se alinha com o mundo. Sua vida é arte.

À esquerda, o Sol, perene, feito o herói vitorioso que estacionou seus cavalos de fogo no firmamento. A luz da consciência, acesa pela vivência do mundo. A vida, maior e mais sábia que qualquer aventureiro, soma de todas as experiências vividas e não vividas. Potencia máxima, liberta das amarras, feito o leão que mata o dragão do Tu Deves.

O caminho serpenteante em direção ao horizonte, que nunca há de chegar. A morte é o reconhecimento que a vida, pequena, tem valor exatamente por acabar no meio do caminho. Sempre haverá um pouco mais do que se acredita haver.

Minha imagem da liberdade. Um aventureiro que se liberta da carga desnecessária, que não tem armas, apenas olhos que miram a frente. Ao contrário do que diz o livro, a Leveza do Ser não há de ser insustentável. Pode-se perfeitamente caminhar livre pelo caminho, agradecendo a surpresa de todas as coisas, que são sempre inesperadas e belas. Mas se tudo é passageiro, o que fica é o eterno gosto da vivência. Há poesia em tudo, desde que se tenha ouvidos. Poesia sem propriedade, que existe para ser olhada e provada, dia após dia. Há liberdade em tudo.

Como diz Manuel Bandeira: "cansei do lirismo que não é libertação". Morto o dragão, tomo de seu pescoço um cálice de sangue e bebo. Me integro aos poderes da natureza. E eu grito, um grito quase inteiro de silêncio. Na floresta da alma eu adentro... Como Odin, entrego em oferenda um dos meus olhos, e assim, ao mesmo tempo que olho para dentro, atento, olho para fora, singrando o tempo.

Quero passar por essa vida como quem corta caminho por dentro de uma mata de espinhos, consciente que há, além de tudo, uma praia e uma montanha, com sombra de árvore para descansar.

André C.

Wednesday, October 04, 2006

Em detalhes

Ontem foi-me perguntado: "você enxerga cores do mesmo jeito nos dois olhos?". Sim, enxergo da mesma forma, eu disse... Mas posso dizer que as cores todas mudam de acordo com o meu dia. Hoje, por exemplo, caso o céu estivesse cinza e São Pedro, o velho ranzinza do céu, despejasse uma tempestade, eu estaria vendo um dia azul com uma brisa fresca.

Deus está nos detalhes, dizem. E é verdade. Ele mora como um sinal de nascença nas costas de alguém que é única. Mora em alguns dedos de cabelo recém cortados. Mora na maneira única de se demonstrar a vontade de se estar junto. Mora em uma noite, que em si guarda a bela idéia de se repetirem por mais mil. Vive de forma poética no arrepio produzido pelo toque, no respirar ritmado e perfumado, em dois olhos, feito dois vasinhos de flor. Vive num jeito muito feminino de ser firme, altiva.

Há qualquer coisa de mágica em cada um desses detalhes, compreendendo, em conjunto, uma pista do que é a totalidade do mundo... Somos pequenos fragmentos de Tiamat, de cujo corpo foi feito o universo. Que eu possa conhecer, feito aventureiro curioso com bons olhos de menino, que enxergam tudo sempre como uma primeira vez, cada detalhe, sem a pressa de quem vê a vida como uma linha de montagem.

A eternidade, infelizmente, acaba durando pouco tempo. Mas que seja! Digo sim... cada experiência vira, assim, uma nova parte da composição dessa unidade maravilhosa. Sem pressa.


André C.

Friday, September 29, 2006

O Sol

Napoleão, Caetano Veloso, Mick Jagger, Mário Andrade, Ney Matogrosso, Bruna Lombardi, C G Jung. Líderes, artistas e poetas nascidos sob a regência de Apolo, o Sol. Leoninos, altivos e abertos para a vida, todos tocados para a arte. No tarot, é a carta XIX, a plena consciência e realização dos objetivos... depois que se atravessa o rio, o inconsciente, no arcano da Lua, chega-se à outra margem, iluminada.

E o outro lado do rio é, como diz Guimarães Rosa, "bem diferente do que se esperava". O outro lado do rio é um encontro, com a beleza que somente as coisas inesperadas possuem, que acontece apesar de haver tanto desencontro nessa vida. Eu encontrei, depois de atravessar o rio, na outra margem, alguém que me fez parar. Um encontro de olhares que é quase um reconhecimento, vindo com toda a força do que existe naturalmente.

Agora, pouco me importam os leoninos que citei acima. O que eu vejo, à minha frente, são dois olhos castanhos, entreabertos, convites para as pausas que vivem no passar de páginas dos volumes das Mil e Uma Noites...

Pausas que não pedem nomes, apenas a livre vontade de se fazer presente no momento. Momento que passa rápido, deixando um rastro de perfume e saudade em seu percalço. Saudade de quem, por algum tempo, aprendeu o que é partilhar o ar, que vem perfumado.

Wednesday, September 27, 2006

Sobre cafés e canções

Hoje canto em nome dos cafés e canções do mundo. Canto pela vida, que, conforme diz Vinícius de Morais, "é a arte do encontro". Se os encontros dessa arte acontecem por acaso ou por destino, pouco importa, ambos são igualmente belos. O destino ou acaso sorriem.

Eu canto pela eternidade, que rompe o véu do mundo e se revela de súbito e delicadamente, na plena natureza das coisas. E alguém poderia perguntar: Mas que força é essa que pode romper assim, de tal forma inegável, o tempo, maior força que rege o mundo?

Minha resposta caberia em poucas palavras: Um beijo destrói o tempo.

Tuesday, September 19, 2006

bliss

Grandiosidade. Aquele sentido de que se faz parte de algo grandioso, de um mistério sem fim. O véu do mistério, que sempre haverá. Garantia da criação. Enquanto há o véu, impenetrável, existe o mistério. Mas o véu tem frestas e espaços translucidos. O que se vê, além dela, quando um facho de luz atravessa o mundo e a poeira, suspensa, permite que o facho seja visto? Ai vive a criação. Ai, nesse espaço, vive o poeta. Ah! Sempre existe um espaço entre a tal realidade e a vida humana! O desvelamento é parcial... mas quando algo se desvela, quando a dualidade das coisas cede, por um momento, algo inexplicável e maravilhoso acontece. Me sinto prestes a iniciar uma religião, tal qual o místico, que, maravilhado, tenta transmitir via teologia, via palavra, para partilhar sua benção, ao resto do mundo. Eu grito!

Me pergunto, com profundidade, que experiências de vida me fazem realmente me sentir vivo? Vivo, profundamente. Em contato com algum nível de realidade de coisas. O caminho, meu caminho. Há pistas. Nas coisas simples ou complicadas, quando, por um momento, o sujeito se sente inteiro. Um casamento em seu mais alto sentido: comunhão, compromisso com o centro da roda e não com as casualidades. Amor fatti. Amor pelo destino. Não só.

Estou como o bêbado que faz algo que o chato regado a coca-cola nunca faria. Mas tal qual bêbado, protegido pelos deuses, seja lá o que eles forem, ou qual nome assumam, ou tal qual o estudante de canto, que tenta lembrar onde, em sua garganta, a nota certa ressoa, a lembrança falha. Pra que pôr palavras? Melhor seria uma metáfora.

A grandiosidade sentida é o reconhecimento de algo como um deus interior. Tal como os indianos, hoje eu poderia saldar cada pessoa com um cumprimento, de mãos unidas como reza, que reconhece no outro uma divindade. Divindades em diálogo, ligados pelo mesmo princípio, unos, se olham REALMENTE nos olhos.

O Camelo, o Leão e a Criança. Sociedade formadora. O Leão contra o Dragão do Você Deve. A Criança, o menino-jesus do Alberto Caeiro, que limpa o nariz na barra do paletó armani.

Sunday, September 03, 2006

Um pouco mais

Suspensão. O momento entre o expirar e o inspirar. Minha hora é essa. Sabe-se que a vida funciona por meio da respiração e que, certamente, após a pausa, segue a vida. Mas a pausa, uma dessas coisas eternas que duram um quase nada de tempo, é fundamental. Sem a pausa, falta à música ritmo. Sem a pausa, não existe o choque com o que é belo. O que seria de uma obra de arte se não houvesse aquele momento em que o observador, tomado, suspira? A pausa é a chance para o suspiro vir à vida.

Um suspiro. Quase nada bem mais sincero e completo que as análises dos críticos ou os apertos de mão em cumprimento pela genialidade da obra. Pausa.

Momento que eu paro e penso: onde foi parar a minha vida? Um olho enxerga o deserto mas o outro vê a árvore e o lago. Quando eu vivo uma árvore vejo que deus, caso exista, é um impressionista. O olho não comporta a complexibilidade do movimento de uma árvore frondosa balançada pelo vento.

Porém, não vim aqui falar de árvores. Vim com o propósito literal e descarado de refletir. Podia ser um arquivo de word, mas me sinto menos sozinho e mais sincero ao saber que alguém pode olhar de fora.

Recebi o dever de pensar nos meus sonhos. A minha pausa foi entre o "ah, tudo bem, vou pensar nos meus sonhos" e o "nossa, eu nem sei o que essa pergunta significa".

Virei uma pequena máquina de resolver problemas materiais. Uma máquina de viver de acordo com o imediatamente. Uma máquina de acordar de manhã, tomar café, trabalhar, almoçar, trabalhar, ir pra casa, pagar contas e dormir. Material e puro. Real e seco. Quando eu busco a realidade das coisas corro o grave risco de encontrar uma hiper-realidade. Uma realidade mais dura do que ela realmente é. Meu desafio, conseguir tornar as coisas mais fáceis.

Um dia cheguei e disse: cansei. Um cansaço de desânimo e acordar de saco cheio. Tudo tão pobre, tudo tão árido. A vida dura. O mundo, é uma merda. Morto o mistério, triste o destino. Uma grande perda para piorar tudo: minha grande amiga, minha mãe, morta. Coisa absurda e sem palavras. Pronto, achei que tinha superado. Nunca. A vida. A dureza da morte.

Entendi porque surgem as religiões, da dor de algo incomensurável, de algo incompatível com o amor que se tem por alguém. A morte é dura. Está em mim tentar ser mais duro que ela. Eu me protejo com o pensamento. "As coisas são o que são." No fundo da aceitação eu queria dizer "não". Eu não quero isso. Mas a barreira do meu querer e sua impossibilidade de realização cedem à realidade. Eu, chorar? Ah, nunca foi algo tão comum quanto agora.

Estou entrando em contato com o que Jung chamaria de minha função inferior: o sentimento. Campo sempre obscuro e complicado mas rico, devido ao seu aspecto sempre nublado. Meu pensamento, minha casa, e eu querendo ficar na chuva. E a função sentimento não entrará nunca na casa. O pensamento é que fará a jornada. Vai se molhar.

Hoje, com toda literalidade, posso dizer: a aceitação da dança da vida está marcada até o fim da minha existência material em mim. Curioso, a vida se faz em som de tambor, ritmica, como um relógio compassado e se desfaz em fogo, se desfaz em espírito.

Falta à minha vida trabalhar não no muro, que já existe, mas nas cores e desenhos do muro. Cabe à mim aprender e não ver só a mesa, mas ver na mesa a experiência e os jantares felizes que se fizeram tendo-a como suporte. Cade construir e transformar o mundo, de um todo material de coisas, um todo rico e dotado de dimensão simbólica. De olhar para o mundo para vivenciá-lo.

Nunca vou negar a dor. Isso seria niilismo. Mas preciso colocá-la em perspectiva e construir para ela contrastes. Ou a vida fica besta. Paradoxalmente, preciso também viver com menos idealismo. Ainda não desci o suficiente para tocar como eu desejo a vida.

Tempo atrás eu acharia essa pergunta idiota demais. Sonhos são coisas de livro americano de auto-ajuda, pautadas pela crença estúpida e inútil de que se deve ser feliz 34 horas por dia. Mas não. Sonho é algo que se tem em vista, um propósito ou algo que te desperta para a vida. Não sei se é o mesmo que Beleza. Talvez meu sonho seja o de cultivar coisas belas sem para isso abrir mão da verdade. Coisa abstrata. Mas quando eu vejo o Saramago, com todo seu ateísmo empedernido, falar que todo dia ele coloca água em suas plantas pela mera possibilidade de ver esse milagre de vida acontecendo, eu não vejo nada abstrato. Eu sinto algo superior, algo menos miserável que uma vida de deserto sem água.

Eu sonho em vivenciar coisas e transformá-las, de preferência, em poesia. Três ou quatro linhas, que em si, dizem tudo. Pequenas mandalas que se fecham, coisas pequenas que, em sua simplicidade, falem um pouco da totalidade. Estou, por fim, querendo me alinhar com o mundo. Mas do meu jeito. Quero trazer para o mundo alguma descoberta nova, um pouco que seja de contribuição para o Zeigst, o espírito do mundo, ser simbólico.

O mundo prático me chama. Mas continuarei.

Saturday, July 22, 2006

Sobre tudo

A vida está no olho,
se compõe de cheiro, gosto,
pode ser escrita com o corpo reto
ou num caminhar torto.

Sabe quem bebe
não só o que é doce,
mas o que é amargo ao paladar
e ainda o agridoce.

Pois toda vida é arte.

Sunday, July 02, 2006

In memorian

Pra sempre
Carlos Drummond de Andrade

"Por que Deus permite que
as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."

Ontem perdi a minha mãe. Uma dessas coisas terríveis, sem lógica e sem explicação. Dá pra entender porque tanta gente acredita em Deus e cria religiões. A morte, coisa terrível. Coisa inacreditável.

Wednesday, June 28, 2006

Subjetividade

A Virgem Maria - Manuel Bandeira

"O oficial de registro civil, o coletor de impostos, o mordomo da Santa Casa e o administrador do cemitério de São João Batista

Cavaram com enxadas
Com pás
Com as unhas
Com os dentes
Cavaram uma cova mais funda que o meu suspiro de renûncia
Depois me botaram lá dentro
E puseram por cima
As Tábuas da Lei

Mas de lá de dentro do fundo da treva do chão da cova
Eu ouvia a vozinha da Virgem Maria
Dizer que fazia sol lá fora
Dizer i n s i s t e n t e m e n t e
Que fazia sol lá fora."

Me identifiquei com o poema. Sobrevivi a todos os enterros que tentaram promover para mim, à revelia. Antes eu atacaria em retorno os coveiros com suas próprias pás. Hoje não me importa. Podem enterrar e construir por cima a lápide, acreditando que estou no túmulo. Enterrem o que quiserem. Eu estarei bem distante.

Friday, June 16, 2006

Outra do Cream

Swlabr

Coming to me in the morning, leaving me at night.
Coming to me in the morning, leaving me alone.
You've got that rainbow feel but the rainbow has a beard.

Running to me a-cryin' when he throws you out.
Running to me a-cryin', on your own again.
You've got that pure feel, such good responses,
But the picture has a mustache.

You're coming to me with that soulful look on your face,
Coming looking like you've never ever done one wrong thing.

So many fantastic colors; I feel in a wonderland.
Many fantastic colors makes me feel so good.


Rock, psicodelia, Eric Clapton. Deu no Cream, um power trio, na verdade O power trio, com um som distinto de qualquer outra coisa que eu já ouvi. Formação: Jack Bruce (vocal/baixo), Ginger Baker (bateria) e, claro, Eric Clapton (segundo vocal/guitarra).

Cream

World of Pain

Outside my window is a tree.
Outside my window is a tree.
There only for me.
And it stands in the gray of the city,
No time for pity for the tree or me.

There is a world of pain
In the falling rain
Around me.

Is there a reason for today?
Is there a reason for today?
Do you remember?
I can hear all the cries of the city,
No time for pity for a growing tree.


Uma das maiores bandas de todas.

O Nome da Rosa

O Julgamento
O Mago
O Julgamento
O Eremita



(Apesar de ter achado o filme Código Da Vinci um saco, fiquei com algumas idéias na cabeça.)

Um enigma de esfinge pra uma egípcia.

Sonhos

Outro insight. Parece que meus sonhos vem sempre em 3, distanciados temporalmente entre si. Ontem liguei o cavalo ao cavaleiro e ao campo de futebol. Hoje lembrei de um outro sonho.

Estava eu e um colega conversando numas nuvens espessas, acima, bem acima de um estádio de futebol. Esse colega estava no sonho por ser um grande amigo, desses de pouco tempo mas significativos. Engraçado, minhas amizades de verdade acontecem no silêncio. Dispensam palavra ou conhecimento.

Ambos sabemos que há um monstro lá embaixo, algo que está matando as pessoas. A única coisa que mata pessoas, eu acho, é o tempo. Meu amigo me chama para ir lá embaixo, participar do jogo, e pula, caindo para baixo das nuvens. Eu fico sozinho, com medo, e não desço.

O de cima, superior à realidade, cheio de conhecimentos teóricos e sonhos de beleza num mundo sem tempo nem morte nem realização.

O de baixo, o menino mudo que anda com dificuldades, entrando em campo despreparado, armado apenas da própria teimosia e coragem, submetido à materialidade e a recusa de viver uma vida, se ela não for perfeita.

E o cavalo, veículo, vigor, força, livre mas batendo cabeça.

E o terceiro, ainda não anunciado. O resultado da soma dos 2, o cavaleiro imperfeito, mas real, corajoso e conectado a realidade, mas ligado à transcendência e ao Ser do mundo sem tempo.

O Ser que é, simplesmente, a totalidade de um sujeito.

Me veio outro sonho. Uma garota de quem eu gosto. Ela toca um piano com 3 teclas. As 3 teclas, em conjunto, são destacáveis do piano. Ela me mostra A,B ou C. Diz: "Quantas combinações dá pra fazer com isso?".

Mais outro. Meu analista, na janela do carro, me diz: "Lembre-se, o quadrado é perfeito, mas não é completo." E eu peço que ele me ajude, através da análise, para que eu me sinta mais inteiro.

Mas a análise não se presta a isso. A análise tem o fim de tornar a incompletude, a falta que define o ser humano, mais suportável. Diz Freud que queria tornar a miséria da vida humana em um sofrimento mais tolerável. Buda diz: toda vida é sofrimento. E o objetivo dele é o mesmo: lide com o sofrimento e torne-o possível.

O triângulo, me lembra triângulo amoroso e também a trindade. O quadradro, me lembra um ringue, a carta do Imperador e a idéia desta ser a única forma perfeita criada pelo homem.

Só através da batalha se construirá esse quadrado perfeito. Só no sangue. Familiar isso, não? Quantos mortos ao longo da história? Quanto sangue derramado para construir a cidade de deus?

Transmutar o Ego-Dragão para o Sábio-Dragão, equilíbrio de bicho que vive na terra e no céu, como Shiva, um pé sobre o anão da ignorância e o outro levantado, erguido no ar.

Ainda ouvindo Caetano Veloso:
Mora na filosofia... pra que rimar... amor com dor?

Por enquanto me falta o que escrever.

Veloso

If you hold a stone
hold in your hand
if you feel the weight
you'll understand

ou

Se você segurar uma pedra
segure-a na sua mão
se você sentir o peso
você vai entender.

Esse Caetano Veloso, meio sem querer, disse uma das coisas mais poéticas que já ouvi. Se você sente o peso da pedra não irá jogá-la em ninguém. Dai a idéia de pecado, essa invenção ridícula, perde completamente o valor. Não jogue a pedra, mas não por lhe faltar pecado. Mas por ter compaixão com quem levaria a pedra na cara.

Compaixão, que segundo o Milan Kundera, em A Insustentável Leveza do Ser (que teve versão cinematográfica, em que milagrosamente o filme é melhor que o livro) tem duas raizes: 1 - significando "se condoer" e 2, a mais fantástica, que compaixão (com + paixão) quer dizer "sentir com" ou partilhar sentimentos.

Eu que ia escrever sobre sonhos, acabei desviando no meio do caminho, ouvindo esse cd do Caetano, do tempo dele na Inglaterra. Tá entre as melhores coisas que já ouvi, esse álbum e o Transa. Virei fã dessa english fase. Um cara que consegue escrever em inglês, juntando com português e carregando nos sons brasileiros não pode ser menos que genial.

I wish to know things are getting better...better...beta...betânia...

She has given her soul to the devil and bought a flat by the sea.

(...)

You don't know me... bet you never get to know me... you don't now me at all... feel so lonely... the world is spinning round slowly... there's nothing you can show me from behind the wall... show me from behind the wall... why don't you show me from behind the wall?? Nasci lá na bahia de mucama com feitor... o meu pai dormia em cama... minha mãe no pisador...

yes, the worl is spinning round slowly. just about to stop. or maybe i'm getting used to it... i exist in the center... the eye of the whirllwind... so, probably, everything will continue it's way, spinning and spinning... until I cease to be. Ou não e eu saio do centro. O mundo vai pro centro e eu só orbito.

Wednesday, June 14, 2006

Sonhos

O sonho tem uma importância enorme para todas as sociedades, arcaicas ou modernas. Para os aborígenes, houve um tempo antes do tempo, o Dreamtime, ou Tempo do Sonho, quando os espíritos ancestrais caminhavam sobre a terra. Brahma, o deus criador Hindú, cria o mundo usando como matéria os sonhos de Vishnu, o deus que dorme. Para a psicanálise, os sonhos são construtos do inconsciente, formas de realizar desejos não realizados conscientemente, repetições de ações feitas durante a vigília ou mensagens codificadas.

É bem comum que, quando se sonha, não se compreenda o sonho. Substituições, metáforas e misturas de elementos são comuns na tecitura onírica. Os sonhos complexos, de primeira, parecem desconexos e sem sentido. Acontece de só se compreender uma ou outra peça e se compor uma idéia geral a partir dos fragmentos muito tempo depois. Essa forma de compreensão me surge como insight, uma consciência repentina aparentemente ilógica.

Num primeiro sonho, há meses, vi um cavalo marrom, de semblante tranquilo, preso numa gaiola de zoológico. Quando o vejo, choro e o sentimento é de reencontrar algo que tinha se perdido. Dois meninos, meio demônios, riem de mim.

No segundo sonho, aparece um menino, mudo, com dificuldade de andar, que sou eu. A mãe, como uma secretaria de executivo, fala por ele. Conversa com um fisioterapeuta, que é um ator de cinema que eu tinha visto no IR dias antes. "Ele não aceita andar de cadeira de rodas" diz ela. "Mas vai ter que usá-la, não tem jeito" diz ele.

Então vejo um cavalo branco, num campo de futebol, correndo para o gol, prestes a atingir uma das traves. Outras pessoas, banqueiros e apostadores, observam. O cavalo está livre e transmutado, mas vai bater a cabeça e se machucar inutilmente. O cavalo, símbolo de força, virilidade e direcionamento, está sem cavaleiro. Está abandonado.

De que serviria o cavalo contra o Dragão, sem São Jorge? Alguém deve carregar a lança e conduzir o cavalo, símbolo da força instintiva purificada, contra o Dragão, na visão católica um símbolo do ego devorador e da sombra que não foi integrada à consciência. O cavaleiro é, assim, a consciência que direciona a força primal. No tarô, O Carro, carta do arquétipo do herói

Mas o cavaleiro não aceita, no meu sonho, a incumbência. O menino se julga inadequado para conduzir tal força e se recusa a aceitar a realidade: ele não poderá ser um cavaleiro como os outros. Como a realidade é negada, o menino nunca vai crescer e se tornar homem. Se sagrar cavaleiro, direcionar a própria vida, que está parada.

Uma mensagem do inconsciente que me parece assim, clara. Aceitar a realidade, sentir a dor de um rito de passagem, transmutar-se e assumir de vez o cavalo.

Monday, June 12, 2006

Caçador de Mim

Por tanto amor, por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz, manso ou feroz
Eu caçador de mim

Preso a canções, entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar longe do meu lugar
Eu caçador de mim

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir as armadilhas da mata escura

Longe se vai sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu caçador de mim

A Morte

Ella no faltará a la cita.

Sunday, June 11, 2006

O Gigante

Ele era grande. Lembro direitinho. Eu achava que ele tinha uns bons metros de altura. Era quase uma árvore. Diziam que ele era bravo. Engraçado que, durante a minha vida toda, eu nunca tinha visto isso. Pra mim ele era uma árvore firme e simpática, algo como o Barbárvore. Quando eu era pequeno e o visitava lá em Oliveira. O que ficou na minha memória é o "quando eu era pequeno".

Quando eu era pequeno, ele gostava de ler revistinhas e uns livrinhos de faroeste, não lembro quais, mas garanto que havia um Tex entre elas. Eu achava que ele era o homem mais sábio de todos, manifestação arquetípica da experiência.

Quando eu era pequeno, ele me dizia que as sementes de girassol que ficava nas telas atrás da cozinha era comida pra passarinho. Que o girassol é que comandava o movimento do sol, numa mitologia bonita. Que o tomate pequeno era venenoso. Eu lembro também de Jornal Nacional, que ele assistia. Ou mesmo jornal impresso, que até os últimos dias ele costumava ler. Já quando eu não era tão pequeno, lembro dele cortando vara de marmelo pra eu e meu primo brincar de cai n'água, no carnaval.

Outra imagem, a mais triste que eu já vi. Meu avô, sentado numa cadeira, ao lado do caixão da minha avó. Muito triste, mas de uma beleza, de uma força incomensurável. O ser humano é belo nos grandes momentos, nesses momentos em que todo mundo é igual. Perante a morte treme mesmo quem acredita. Mas, depois do fim, havia sim um amor, continuava uma ligação forte entre os dois.

Hoje, meu avô morreu. Mesmo sabendo que ele não era tão gigante, afinal de contas, prefiro lembrar com olhos de vinte anos atrás. Os mortos, os nossos mortos, vivem é na memória.

Friday, June 09, 2006

Canto de Ossanha

"O homem que diz dou não dá
Porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz vou não vai
Porque quando foi já não quis
O homem que diz sou não é
Porque quem é mesmo é não sou
O homem que diz estou não está
Porque ninguém está quando quer"

Sabia das coisas, esse Vinícius...

Tuesday, June 06, 2006

Só pra variar...

Eu não tenho filosofia.
Eu tenho sentidos.

Monday, May 29, 2006

Antônio Machado

"O que é essa gota
no vento
que grita ao mar:
sou o mar?"

Mínimo, diante da totalidade. Já não luto contra a existência, não sou mais estóico e sorridente. Eu digo bobagens. Eu erro e me defendo. Tenho dentes e gritos. Tenho sangue e vivo e me corto e corto de volta. Eu fico triste, revoltado e muito puto com injustiças. O mundo parecia tão justo, tão à parte de tudo. Eu acreditava no que dizia o homem de vitrúvio, o idiota proporcionalmente perfeito. Prefiro o corpo nu da Estrela. Tão mais bela. Pinta o desejo, ah, se ela fosse minha! Eu divago, pensando como seria poder parar sem precisar procurar caminho. Pensando como a vida poderia ser agradável em simplicidade. Apenas um desejo fruto da minha "estrangeirice" nesse mundo feito de tempo e pedra.

Wednesday, May 24, 2006

Noiva da cidade

"Ela sabe muito bem que quando adormece
Está roubando
O sono de outra gente

Ai, quanta maldade a dessa moça
E, que aqui ninguém nos ouça
Ela sabe enfeitiçar"

Saturday, May 06, 2006

Heis a questão.

Weep no More For Treasures You've Been Searching For in Vain,
'cos the Truth Is Gently Falling With the Rain.

Não chore pelos tesouros que você tem buscado em vão,
pois a verdade está gentilmente caindo com a chuva.

As coisas são o que são.

Como lidar com isso?

Dirty Mac


If i ain't dead already, don't know the reason why. Fruto de um raro encontro musical entre John Lennon e Eric Clapton, uma banda que ficou com o nome do título.

Tudo começa num dia azul de sol. Paz aparente. Termina cinza e cansado, aguardando o mergulho numa noite assustadora e fria.

Fiz um jogo de tarô. Minha persona, minha máscara, meu pão, cachaça, o meu social de todo dia, era a Estrela. Olha-se a foto de um lago suiço e vê-se harmonia, equilíbrio e até mesmo alegria. Superfície. Meu valor maior, demonstrar minha capacidade de dirigir minha vida, supervalorização da independência, era o Carro, quem dizia. Tudo para esconder um Diabo imaginário, por fim. Jogo de espelhos.

O casal perfeito seria, hoje, a Sacerdotisa e o Pendurado. Uma moça pudica, papai-mamãe com luz apagada e lençol, com o já conhecido e arquetípico sujeito que não caga nem sai da moita. Se esse fosse o último casal da terra, a humanidade estaria exterminada. Talvez isso nem fosse de todo ruim, pois o mundo estaria por fim livre do tempo.

Eta vida besta! Cansado, num sábado. Preciso me despir de mim, tirar, além da roupa, a pele, a carne, os músculos e os ossos... que sobrem as 21 gramas da alma, se forem realmente alma e não apenas ironia. Parece que a vida é um grande vazio, solitário, entrecortado, vez ou outra, de palavras.

Parafraseando o Manuel Bandeira: estou cansado de lirismo comedido, lirismo funcionário público com livro de ponto e tabela de regra de cossenos. Cansado de lirismo raquítico, sifilítico, que capitula ao que quer que seja pra fora de si mesmo. Vivam os barbarismos universais! Os loucos bem loucos, as fêmeas bem fêmeas.

Ainda preciso saber o que eu quero da vida.
If i ain't dead already, don't know the reason why.

Friday, April 28, 2006

Quanto a escrever...

Como diz a Clarice Linspector, em a Hora da Estrela:

"quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo."

A verdade da experiência de viver.

E eu digo: só sei o que eu vivenciei.

You Can Never Go Home

I Don't Know What I'm Searching For
I Never Have Opened the Door
Tomorrow May Find Me At Alast,
Turning My Back On the Past,
But, Time Will Tell, of Stars That Fell,
A Million Years Ago.
Memories Can Never Take You Back, Home, Sweet, Home.
You Can Never Go Home Any More.

All My Life I Never Really Knew Me Till Today.
Now I Know Why, I'm Just Another Step Along the Way.

I Lie Awake For Hours, I'm Just Waiting For the Sun.
When the Journey We Are Making Has Begun,
Don't Deny the Feeling That Is Stealing Through Your Heart.
Every Happy Ending Needs to Have a Start.

All My Life I Never Really Knew Me Till Today.
Now I Know Why I Am Just Another Step Along the Way.
Weep no More For Treasures You've Been Searching For in Vain,
'cos the Truth Is Gently Falling With the Rain,

High Above the Forest Lie the Pastures of the Sun,
Where the Two That Learned the Secret Now Are One.

The Moody Blues



A verdade está gentilmente caindo com a chuva.

Egípcia

A Rosa

Arrasa o meu projeto de vida
Querida, estrela do meu caminho
Espinho, cravado em minha garganta, garganta
A santa, às vezes troca meu nome, e some
E some nas altas da madrugada
Coitada, trabalha de plantonista
Artista, é doida pela Portela, oi ela
Oi ela, vestida de verde e rosa, a rosa
A Rosa, garante que é sempre minha
Quietinha, saiu prá comprar cigarro
Que sarro, trouxe umas coisas do norte, que sorte
Que sorte, voltou toda sorridente
Demente, inventa cada carícia
Egípcia, me encontra e me vira a cara
Odara, gravou meu nome na blusa, me acusa
Me acusa, revista os bolsos da calça
A falsa, limpou a minha carteira
Maneira, pagou a nossa despesa
Beleza, na hora do bom se queixa, me deixa
A gueixa, que coisa mais amorosa, a rosa
A Rosa, o meu projeto de vida
Bandida, cadê minha estrela-guia
Vadia, me esquece na noite escura, mas jura
Que um dia volta pra casa.

Chico Buarque, falar o que mais?

Destaquei o verso mais matador. A imagem é perfeita, egípcia: todos aqueles desenhos de perfil nos hieróglifos. Pior é que ainda gosto de uma garota que tem algo de egípcia. Só que eu nunca tive pedra de roseta capaz de decifrá-la. Aliás, até outro dia eu não sabia o que era pedra de roseta hahahaha. Na verdade nem precisa, não há nada o que decifrar. Ou é, ou não é. É estranho entender outra pessoa pela semelhança que ela parece ter com você.

Como não foi nem será basta o deixar passar. Natural. Fica o Pessoa em sua mais interessante faceta: um dia amei mas não fui amado de volta. Pelo único motivo que existe: não tinha que ser.

Thursday, April 27, 2006

Burnout

ou esgotamento existencial.

Cansei de mim, como quem se cansa de respirar num quarto sem janelas nem portas, com quatro paredes brancas e abafadas. O branco permite que tudo, como se fosse tela, seja imaginado e projetado. Mas e o real? Perde-se, sempre lá fora. O lá fora termina por ser imaginado apenas, faltando-lhe substância e vivência. As lutas acontecem no ringue e não nos vestiários ou na confecção das luvas do boxeador.

Cansei de mim pois busco o outro. Jung diz que existem dois tipos básicos de pessoas, aquelas introvertidas e as extrovertidas. Esses dois tipos básicos se conjugam com quatro características - pensamento, sentimento, intuição e sensação. O desenvolvimento rumo ao Self, a individuação, tende a equilibrar essas funções, apesar de, na raiz, sempre termos um lado predominante.

O extrovertido é aquele que corre para o objeto de seu desejo, sem ter uma relação de conhecimento ampla de sua paisagem interior. O introvertido olha para o objeto e o reveste de uma capa, algo que ele projeta sobre esse objeto.

Pelo desconhecimento, o Extrovertido que mergulha em si mesmo encontra terreno virgem, não experimentado, recebendo esse "interior" de forma positiva e com certa inocência. Com o Introvertido, quando entra no mundo exterior, acontece algo semelhante: o mundo de fora é belo, novo e sem vícios.

Talvez por isso eu nunca tenha deixado de ter fé nas pessoas, por mais ameaçador e difícil que eu considere esse tal "outro". Talvez por isso eu tenha resolvido criar uma janela e uma porta, com sangue, nesse quarto fechado. Eu nunca ouço ninguém, por fim. Se ouço é por preguiça, passividade e conveniência. Eu não costumo olhar para fora, como se o mundo fosse quase minha criação e tivesse que ter as minhas regras.

O que acontece quando se descobre que você não é bonzinho, ou justo? Eu rio. Rio por desvelar um mistério, rio de ter encarado a minha sombra, rio por ver além da névoa. Rio por confirmar o que eu sempre achei ridículo no cristianismo: que a dor ensina, que olhar para o outro é a salvação para o si mesmo e que esse outro, para além do ego, é a totalidade do ser. Isso é o que chamam Deus, sem saber: a vivência do Ser, a experiência mística, individual e intransferível, que a ignorância transforma em dogma religioso. A ignorância e a covardia, o niilismo que nega a vida, como diz Nietszche.

O caminho para o Self é de transformação, de alquimia, de desvelamento, de inacabamento, de dissolução, de coragem perante a destruição. Da formação de um terceiro elemento, inesperado.

O que se aprende quando se percebe que só uma pessoa não basta? Que sim, uma pessoa consegue bastar a si mesma, ser autônoma completamente, pois por fim ninguém precisa de ninguém. Mas que vida pobre essa, pautada por mera necessidade, por mero "precisar de alguém". Tanto quem precisa quanto quem não precisa tem uma vida pobre.

Ninguém precisa de ninguém. Portanto muito, muito mais que precisar, melhor é querer caminhar com o outro, ter isso por desejo e afinidade.

Saturday, April 22, 2006

O chão é verde

Já passou o ceifador. Resta aquela calma de vento combinada com verde, sopro e movimento nas colinas, silêncio todo feito de altitude. A cidade, desolada, é só um poema triste. Não há nada, ainda, mas todos os elementos estão ali, em potencial. Assumo como verdade, por enquanto, o que posso sentir. Há apenas a música sussurando, rodopiando natural; há também o crescimento das sementes, que apontam, antes mesmo de saber, para o céu. Eu sei tanta coisa, sem precisar saber, sentindo apenas o gosto, vendo a cor, sentindo o cheiro... eu sei muita coisa sem entender. Basta a compreensão e mais nada. Sei também que no término de tudo está o sim, pronto para a partida, de malas prontas, feito companheiro de estrada. Gentil e pequeno, mas poderoso, feito o Cristo do Alberto Caeiro, que vive, come e dorme sem dogma nem cruz nem obrigação de se matar. Para o niilismo pseudo-religioso que foge do mundo e tem vergonha da natureza das coisas basta que se mostre a língua.
Parafraseando: o diabo, na rua, no meio do redemunho.

Desaniversário

Esse negócio de aniversário é engraçado. Depois de um certo número de anos, foi virando uma data meio comum. Com óbvia vantagem de ser feriado. Achei que ia passar batido. Dessa vez, porém, cai no conto da "reflexão pré-aniversário", como se a data tivesse me puxado para dentro. Só que como eu acredito em coincidências, talvez tenha sido só uma parte de um processo mais longo, que continua.
Por outro lado, um sentimento muito bacana perdurou. Tem algo de muito legal quando você chama pessoas e todo mundo aparece. Quinta foi um bom dia, de rever pessoas importantes na minha vida. Ficou, assim, um ensinamento para um cara solitário e meio lobo da estepe. É um ótimo momento para aprender a andar em matilha novamente.

Tuesday, April 18, 2006

Não-dizer

Quando não se tem palavras, cai bem um silêncio.

Me incomodava o silêncio, era inconveniente e fraco.

Hoje, meu silêncio é um grito. Sempre foi.

Fazendo paráfrase de JC, sujeito ético além de velho amigo do bom coelho da páscoa: quem tem ouvidos que ouça.

Monday, April 17, 2006

Libertas,

Da dissolução vem por fim alguma coisa. Sentimento diferente, de paz de guerreiro, conquistada por mérito. Um silêncio de quem se permite dispor das palavras, por não precisar dizer nada a ninguém e que, por isso mesmo, diz.

Um senhor que não é imperador, mas sim livre e solitário, por isso mesmo próximo de todos, por afinidade.

A dor mostra seus ensinamentos no corpo, e trinca a alma, feito vidro apedrejado. O vidro cai, bambo que estava. Só que ninguém percebeu a queda. E não importa. Como o leigo, destreinado, que não houve a sutil mudança de timbre do cantor.

Profético. Um libertas quae sera tamen adiantado.

Um bom presente.

Insight

A fé é uma fantasia.

Saturday, April 15, 2006

Seawinds

Letra e música perfeita. Mineiro tem mesmo saudade do mar desde pequeno.

Seawinds

In Cold And Dark December
As I Walk Into The Rain
Sit Beside The Room
All Night Long

In A Grey december Morning
I Decide To Leave My Home
Took A Train To Nowhere
Far Away, Far Away

Many Thousand Miles Away
Where The Moon Took To The Stars
Dreamed About The Days
Days Gone By, Days Gone By

In The Night, The Seawinds Are Calling
And The City, Is Far Far Away
Soon, The Sea Turns To Darkness
It Is Night, And Seawinds Are Calling
Seawinds Call, Seawinds Call

Ten Tousand Miles Away
Where The Moon Took To The Stars
I Dreamed About The Days
Days Gone By

I've Been Told So Many Stories
And Dreams My Friends Have Made
So It's No Illusions
Sail Away, Sail Away

In The Night, The Seawinds Are Calling
And The City, Is Far Far Away
Soon, The Sea Turns To Darkness
It Is Night, And Seawinds Are Calling

Friday, April 14, 2006

a arte

Pois o samba é a tristeza que balança
e a tristeza tem sempre uma esperança
a tristeza tem sempre uma esperança
de um dia não ser mais triste não.

Cuidado, companheiro
a vida é pra valer
e não se engane não
a vida é uma só.

A vida não é de brincadeira
a vida é a arte do encontro
apesar de ter tanto desencontro nessa vida.

Mil Peças

Estou me sentindo perdido, completamente. Se alguém me viu por ai, favor informar pois eu não estou encontrando. Qualquer pista serve, mesmo um tanto daquela cinza que sobrou depois do incêndio... estranho, eu não sabia o que andava acontecendo. Agora entendo, como imagem. A impressão é que havia uma cidade com prédios. Agora parece que uma força avassaladora simplesmente varreu o chão.... como uma bomba atômica, mas sem os efeitos colaterais da radioatividade. O chão agora ou é verde, natural e vasto, ou cinza, desértico e com poeira negra. Prefiro o primeiro. Cai do céu, rasgando o véu da fantasia, cansado da irrealidade. Penso no meu caso com as palavras, sempre conflitante. Mas depois de renegá-las, pois as acreditava inúteis, as tomo de volta.

Venho de um processo longo. Parece que análise funciona assim: você pega tudo o que conhece e cutuca, vai cutucando, até tudo ruir, e você vai largando coisas, deixando pra trás, pois você não sabe se aquilo é realmente seu, faz parte de sua identidade... tudo, tudo mesmo, vai caindo e, no fim, começa o silêncio, sem sentido, sem vontade, sem porque aparente.

Estou no silêncio, mas começam a surgir coisas esquecidas, trazidas de volta à baila. Escrever coisas me definia. Viver nos detalhes, buscando loucamente as entrelinhas. Virou um elemento, uma peça que parece caber nesse quebra-cabeças que leva meu nome. Onde andam as outras?

Lonely Stranger

I must be invisible;
No one knows me.
I have crawled down dead-end streets
On my hands and knees.
I was born with a ragin’ thirst,
A hunger to be free,
But I’ve learned through the years.
Don’t encourage me.
’cause I’m a lonely stranger here,
Well beyond my day.
And I don’t know what’s goin’ on,
So I’ll be on my way.
When I walk, stay behind;
Don’t get close to me,
’cause it’s sure to end in tears,
So just let me be.
Some will say that I’m no good;
Maybe I agree.
Take a look then walk away.
That’s all right with me.

Thursday, April 13, 2006

Diz o Campbell

Eu não busco um significado para a existência.

Eu busco aprofundar minha experiência de vida.

Afirmação

Tudo nessa vida começa com um sim. E acaba terminando, num sim que aponta para um novo caminho. Mas o depois, ah! o depois é sempre daqui a um bom tempo. Agora é gosto de começo, de princípio. Agora é o que existe e o que toma o meu campo de visão são uns palmos apenas. Uma vez eu estava num carro, imerso no nevoeiro. O motorista e todo mundo com medo e eu achando aquilo uma maravilha. Era emocionante pois a cena me mostrava que a gente está sempre no limiar de uma ruptura, de uma mudança. A questão que me deixava com gosto de expectativa na boca era na verdade uma pergunta: quem ou o que surgiria vindo da névoa?

Wednesday, April 12, 2006

Sangue Latino

Jurei mentiras e sigo sozinho, assumo os pecados
Os ventos do norte não movem moinhos
E o que me resta é só um gemido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minha alma cativa

Rompi tratados, traí os ritos
Quebrei a lança, lancei no espaço
Um grito, um desabafo

E o que me importa é não estar vencido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minha alma cativa.

sem título

Recém saído de um estado de estar de saco cheio de tudo, com o corpo cansado de quem parece ter tomado um porre violento. Somos um amontoado confuso de sentimentos, pensamentos, lembranças, frases, xingamentos, alegrias e tristezas. Tem hora que é difícil entender como a gente acorda, como o sistema consegue dar boot apesar dessa zona toda.

Ontem me imaginei rasgando papéis. Eu era um contrato, assinado por não sei quem. Eu estava me rasgando, em muitas e minúsculas partes, para depois atear fogo loucamente em cada uma delas. Sobravam as cinzas e me pintava a dúvida. O que fazer com elas? Renascer ou soprar pra longe?

Deus, evolução, equilíbrio. Essas palavras queriam dizer alguma coisa pra mim há não muito tempo. Não fiquei amargo, nem sei se fiquei mais real, mas o que posso fazer contra essa simples verdade: palavras que eram gritos de liberdade viraram meros sussuros.

Palavras. Melhores como consequência que como causa. Primeiro sentir, tocar e vivenciar. Quero experiências com menos palavras, com menos pedras no caminho. Tudo guarda em si uma possibilidade mística, como experiência direta (ou quase) com a realidade.

De tudo, ainda resta o mesmo desejo de olhar nos olhos, sempre renovado. Uma experiência vivida a dois, duas individualidades separadas, juntas não por necessidade, juntas não enquanto incompletudes, mas enquanto duas totalidades. Juntas enquanto encontro natural de caminhos, infinito pelo tempo que tiver que durar.

Tuesday, April 11, 2006

Lembrança

Ainda não dividimos uma tarde de chuva
nem o tempo foi nosso amigo.
Mas eu te reconheci, a cada olhar,
na arte do seu soltar de cabelos,
em cada reflexo do seu corpo,
nos dias em que te vi, um tanto como menina,
um tanto como minha mulher.
Eu quis que, do instante, se multiplicassem dias.
Hoje, te enxergo em minha cama
quando olho de soslaio.
Continuo, sem perceber, à sua procura.

Monday, April 03, 2006

Gnose

Eu só conheço o que experimento.

Só há verdade na vivência.

O resto é teoria vazia, balela, pensamento que não se presta a nada.

E toda existência é triste. E eu tinha me esquecido disso.

Wednesday, March 29, 2006

Vida

Eu corto o pulso

pra mostrar maior verdade:

a verdade está no sangue.

Monday, March 27, 2006

A Justiça

Tem certo errado e a espada pra se vingar, depois de decidida.
Decidida, estica a mão e corta, fina e certeira. Mal sai sangue.
É rígida, muito rígida, e meio antiquada.
Já viram as roupas dela?
Alguém, mesmo por acidente, um dia a viu nua?

É muito certo e errado pra uma realidade que, no fim, nome não tem.
A gente é que inventa.
Preto no branco, ai uma vida mais fácil.
Mas o cinza, o cinza, meus irmãos nada tem de mais difícil.
Tem é um quê de diferente.

Amanhã, feliz dia da nossa senhora boa Morte, carta com foice e palavra.
Ela diz que mata, mas mata mesmo é pra renascer.
Me ajoelho para o corte.
Todo cavaleiro que se sagra toma para si uma senhora, à qual presta votos.

Gostinho de volta pra casa.
Eu sou mesmo feliz é com um bocado de caos, naquele olho no olho com o abismo, equilíbrio de fio de navalha.
Cai não cai, bonito feito frevo.
Better live than be happy.

Saturday, March 18, 2006

Free-will

Que se traduziu no Brasil no mote de um grande movimento:

“Libertem o Will!!! Libertem o Will!!! Libertem o Will!!!”

Só que ninguém achou o tal do Will.

Provavelmente sumiram com ele no tempo da ditadura, ou ele era desafeto de algum cacique político influente, tipo o Sarney. Ou, na verdade, era um companheiro estadunidense, dos sindicatos, do nosso querido Lula... Falar nisso, onde andará o Juba? Lembram dele? Provavelmente tá passeando com o Will. Se bobear ainda encontramos o Wally nessa jornada.

Tristeza

La ra ia ra
La ra ia ra
La ra ia ra
Quero de novo cantar.

Primeiras Vezes

Desconfie de um homem despido de inocência.
Alguém incapaz de sentir nas coisas
o gosto da primeira vez.

Na amada, a primeira namorada,
com bons olhos de menino.

No sorriso do amigo, aquele tempo passado
quando costumavam jogar futebol de botão.

No irmão, hoje com dezoito, o tempo
em que ele tinha apenas um mês
e abriu os olhos pela primeira vez.

Do avô, hoje aos noventa e cinco,
numa época em que ele lia revistas de faroeste
e cortou vara de marmelo,
pra se brincar de cai n'água.

Do pai, que só uma vez foi visto chorando
e ele era menino de novo, passados tantos anos.

No sorriso do reencontro,
Nas declarações inesperadas,
No choro, bem recebido.
No te amo que você não sabia,
Nas letras e nas poesias,
No silêncio que é presença,
No perfume, que virou ausência,
Na beleza, que é de graça,
Na voz, depois do alô, adocicada.

Na idéia de que, em tudo sendo,
tudo é um devir de ser.

Sunday, March 12, 2006

Brokeback Mountain

É um filme no máximo razoável, por ser um tanto sem enredo e parado. No entanto, guarda uma mensagem bem forte: a gente ama pessoas, não gêneros. Ainda que heterosexuais se apaixonem por pessoas do sexo oposto e os homosexuais pelas de mesmo sexo, o que deve ser visto, por fim, é a partilha de sentimentos que se dá entre pessoas. Uma questão de respeito ao outro.

Triste ver uma história de duas pessoas vivendo vidas inautênticas pelo simples fato de uma sociedade, à época, não estar preparada para enfrentar a realidade, sem moralismos.

Não estamos numa teocracia, nem somos fundamentalistas, ainda que alguns preferissem que vivêssemos suplantados a acovardados por escrituras ditas de outros mundos "superiores".

Democracia, valor tão desrespeitado, palavra tão vilipendiada, pode ser adotada por cada pessoa, quando se entende: existe para cada indivíduo uma verdade. Eu posso não concordar com a verdade do outro. Mas lutarei sempre pelo seguinte direito fundamental: cada um tem o direito de viver como quer ou dá conta, independente do gosto do outro. O espaço do mundo não pertence a ninguém, é de todos, abre oportunidade para a diversidade. Isso quer dizer entender o próprio desejo como manifestação da individualidade e não como manifestação única e absoluta, a ser imposta para todos.

Kierkegaard, primeiro existencialista, dizia que a via da religião era a forma mais correta de se viver. E o que há de existencialista nisso? No fato de que esse sujeito entendia que a religião era o caminho para ele, mas não necessariamente para o outro.

Na minha opinião, não há coisa como natureza humana. Não somos bons ou ruins por definição. Nem há qualquer coisa que defina, a priori, o que é certo, posto como "natural" ou errado, posto como "não-natural". Talvez as coisas fossem mais fáceis se fossem pretas ou brancas. Mas não são, nem vale a pena perder tempo especulando a existência desse mundo que não existe.

Bandeira, Manuel

"Chama com dois olhos
sempre em transformação."

Saturday, March 11, 2006

Vivência

Hoje aprendi mais um pouco sobre a realidade.
Aprendi do jeito que se deve, aliás, do único jeito que é possível: vivendo.
Dizer sempre e nunca renegar as próprias palavras. O que está dito, dito está.
Bonito como a realidade é própria, nunca o que se espera, sempre diferente, sempre vária.
Nem sempre acho o que procuro, mas sempre algo vem em troca.
E o futuro, bem, o futuro é devir, não é do reino do agora. Tudo a seu tempo.

"Viver nem não é muito perigoso?"

Pátria Minha (trecho)

"Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez."

Vinícius

"A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não."

Se for pra rezar um dia, vai ser pro meu padrinho.

"Põe um pouco de amor numa cadência
e vai ver que nada no mundo vence
a beleza que o samba tem"

Ando querendo ser um branco bem negro também.

Friday, March 10, 2006

Vivência

Apesar de tudo, estar em paz. É bom conseguir olhar para o futuro - todos eles, na verdade - sem grandes preocupações. Há sempre o depois, inacessível e apenas existente quando materializado em presente. Sim, a nossa vida é o conflito entre desejo e realidade, mas se não tivesse esse conflito, o que restaria?

Suspeito que a verdade está na experiência, apenas, de quem viveu

Arte do encontro

"A vida é arte de encontro, embora aja tanto desencontro pela vida."

Hoje, na rua, encontrei com uma Lua linda, coberta por um véu branco de nuvem, como se fosse uma dançarina árabe. Lembrei da música/poema abaixo, pois a Lua não era somente linda, tinha algo de mágico nela.

"Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher"

Deve haver sempre qualquer coisa que chama ao encantamento e admiração, um tanto daquela sabedoria primordial, de sentimentos, que só a mulher tem. E quando, nessa selva desvairada, você encontra uma destas, não "uma", mas "a" que te lembra da aventura que é a vida, que de alguma forma te desloca da normalidade, ai sim, parece haver verdade nas coisas.

"Vai, vai, vai, vai amar
Vai, vai, vai, vai sofrer
Vai, vai, vai, vai chorar
Vai, vai, vai, vai dizer
Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não, eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor"

É necessário dizer e, dai pra frente, que se descortine o caminho, como a vida deve ser.

Wednesday, March 08, 2006

Feitura

O pé cava o caminho
a água faz o leito do rio
só depois virão as estradas,
pavimentadas, e os navios.

Tuesday, March 07, 2006

Óbvio, sem máscaras

O óbvio, sem máscaras: há para tudo um fim.

Um fim de aprendixado. E um fim, fim mesmo, tipo ponto final. Pra mim, o agora se partilha, irmamente, entre os dois.

Uma fantasia terminada. Fim sem começo. Sobra o gosto da memória, o vício do "poderia ter sido". Mas não foi. Dai, lamenta-se num dia. No seguinte, logo de manhã, basta abrir os olhos. Quero o novo.

O aprendizado: melhor buscar um sim, encontrando um não, que viver o talvez. O talvez grita pela garganta da ansiedade. Vencê-la; o tal peito de remador, como diz lá o Vinícius.

Sem códigos nem pistas, pois ninguém me lê, eu digo para mim mesmo:

Fim.

Identidade

Um inteiro por fazer de coisas.

Saturday, March 04, 2006

Desdobramento

Enquanto a vida se desdobra
eu vejo a lua nova.
Escurece a noite
e eu fecho a porta.
Do meu canto recluso
olho então para o céu.

Olho para o mundo
eu estou em todo ele.
Sem olhar de verdade
vejo um quarto vazio
e meu silêncio dizendo:
ainda é cedo.

Virão outras luas,
outros sentimentos
outros rostos.
Eu serei outro
mas na semente o mesmo
dormirá sonhando.

Noutro dia
eu vejo a lua cheia.
Esclarece a noite
e eu abro a porta.
Olho para cima
não mais olho para mim;
há todo um mundo.
Meu silêncio cessa
e eu grito:
essa é a hora.

Discurso

Quero me livrar desse corpo mudo
repleto de não dizeres.

Abstrair do cotidiano,
a golpes de transcendência,
um naco que seja de ser humano.

Vinte e cinco

Descobri aos 25
que devo morrer aos 40
- e a juventude
já não mais parece
tão eterna assim.

Quando era criança
18 parecia o suficiente
e aos 18
era romântico morrer aos 20.

40, 45 ou 50
sinto que é o bastante.

O tempo sempre parece eterno
mesmo a um segundo de seu fim.

Friday, March 03, 2006

Palíndromo (1 14 14 1)

Para minha tristeza
ou felicidade
descobri que tudo
dá trabalho.

Eu posso tudo
e não posso nada.

Tuesday, February 28, 2006

Seguindo

É quando você pára de correr do mundo e se vira, gritando "Pode vir!!!".
E o seu centro é naquele momento o centro do mundo.
E você olha em volta e se vê, perto dos outros.
E você não é só o seu próprio ego.
E você está livre de si mesmo.
E você está livre do outro.
Menos como um muro.
Mais como água.

Jornada

Nunca fui um sujeito muito aberto. Não falo muito de mim, por acreditar que isso não faz muito sentido.

Falo pouco também sobre deficiência, como se fosse ponto passivo na minha vida. Estranho perceber que não é algo resolvido. Não costumo falar desse componente de quem eu sou, por não ver sentido em falar de coisas que não podem ser resolvidas, por não confiar totalmente que a palavra é um caminho de cura, ou talvez por não acreditar que vale a pena partilhar certas coisas.

Aceitação, por mais que eu leia e entenda coisas como o budismo, ainda soa como conformismo. É como se eu não pudesse aceitar e acreditasse que, por via da teimosia, eu posso dobrar as circunstâncias, dobrar aço com as mãos e seguir. Muito pode ser feito mas de certas coisas não há fuga. Elas simplesmente estão lá, devem ser olhadas.

A análise me fez ouvir minha própria voz. Estranho perceber que eu sou único, mas comum como tantos. Um dentre uma infinidade de pessoas que nunca teve a oportunidade de se ouvir e de confrontar, pouco a pouco, a própria realidade.

Me disse um amigo: "depois da dor, vem o riso". A dor só passa se for vivida. Então você se torna capaz de olhá-la na cara e rir, como quem ri da roupa encardida da morte.

Monday, February 27, 2006

Caetano Veloso II - Nine of Ten

"Walk down Portobello road to the sound of reggae
I’m alive
The age of gold, yes the age of
The age of old
The age of gold
The age of music is past
I hear them talk as I walk yes I hear them talk
I hear they say
Expect the final blast

Walk down Portobello road to the sound of reggae
I’m alive
I’m alive and vivo muito vivo, vivo, vivo
Feel the sound of music banging in my belly
Know that one day I must die
I’m alive

I’m alive and vivo muito vivo, vivo, vivo
In the Eletric Cinema or on the telly, telly, telly
Nine out of ten movie stars make me cry
I’m alive
And nine out of ten film stars make me cry
I’m alive"

Caetano Veloso

O Caetano gravou 2 cds fantásticos quando estava na Inglaterra, "Caetano Veloso", com London London e "Transa", ainda melhor. Misturas inusitadas e muito bem feitas de português com inglês, além de elementos brasileiros unidos a uma sonoridade muito foda. Eu não vi nada que chegasse aos pés no resto da carreira dele.

Algumas letras

You don't know me:

"You don’t know me
Bet you’ll never get to know me
You don’t know me at all
Feel so lonely
The world is spinning round slowly
There’s nothing you can show me
From behind the wall
Show me from behind the wall"


If you hold a stone:

"If you hold a stone, marinheiro só
Hold it in your hand, marinheiro só
If you feel the weight, marinheiro só
you’ll never be late, marinheiro só
To understand…

Mas eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Eu sou da Bahia
De São Salvador
Eu não vim aqui
Para ser feliz
Cadê meu sol dourado
E cadê as coisas do meu país…"

Essa é versão de Marinheiro Só.

Sunday, February 26, 2006

Medley

"É preciso ter peito de remador." Vinícius de Morais

"Pra sempre é sempre por um triz." Chico Buarque

Saturday, February 25, 2006

A Noiva da Cidade

"Ai, como essa moça é descuidada
Com a janela escancarada
Quer dormir impunemente
Ou será que a moça lá no alto
Não escuta o sobressalto
Do coração da gente

Ai, como essa moça é distraída
Sabe lá se está vestida
Ou se dorme transparente
Ela sabe muito bem que quando adormece
Está roubando
O sono de outra gente

Ai, quanta maldade a dessa moça
E, que aqui ninguém nos ouça
Ela sabe enfeitiçar
Pois todo malandro da cidade
Quer entrar
Nos sonhos que ela gosta de sonhar
E ser um Tutu-Marambá"

Nem preciso dizer de qual autor roubei essas palavras...

Krisna

Eu entendo realmente as coisas quando as vivo, quando passo por uma experiência que as exemplifica. Acredito na vivência, dai minha desconfinça, não das palavras, mas do uso que se faz delas.

Krisna diz, para Arjuna, no Bhagavad Gita: Não busque os resultados da sua ação.

Quando li, achei interessante, mas não entendi direito. A frase me parecia pouco produtiva. Uma ação deve dar frutos, sempre.

Mas não era bem por ai. Uma ação dá frutos, mas não devo me preocupar com eles.

Eu ajo, assumo meu desejo e sei o que devo fazer. Se vai dar certo, se vou ser bem recebido, compreendido ou não, isso não importa. Dessa forma a vida segue, livre, sem propriedade, como deve ser. Tudo vira infinito enquanto durar.

Friday, February 24, 2006

Berimbau

Acho que essa é uma das músicas mais perfeitas que já encontrei por ai. Letra do Vinícius de Morais e música do Baden Powell, o que, por si só, já fala demais em favor. A letra é perfeita, bela e cheia de nuances, e, para mim, refletindo um momento muito particular, um caminho ou encadeamento de valores que coincide com os meus.

A cadência de sons e a letra segue perfeitamente o do Berimbau. Quando ouço uma coisa como essa fico admirado e, ai sim, feliz de ser brasileiro, orgulhoso desse caldeirão que permite que músicas assim existam. Acho difícil encontrar em qualquer parte do mundo essa beleza de palavras com instrumentistas tecnicamente excelentes.

Ouvi três versões dessa música.
1 -De um cd ao vivo do Toquinho e Vinícius, com o segundo cantando (e bem, o que não é o forte dele) lançando no fim de um verso uma voz grave impressionante. E o Toquinho, sem comentários, outro grande violonista.

2 - Uma versão só com a voz do Vinícius acompanhado de um Berimbau, ainda sim bonita, mas num som meio vazio.

3 - A melhor delas, tocada e cantada maravilhosamente pelo grande Edu Lobo, no filme/biografia do Vinícius... esse filme é uma das presenças obrigatórias na minha prateleira (imaginária, até agora pelo menos).

Agora, por fim, a letra. Em mente, sei a quem dedico essa música, contando com a ajuda desse sujeito que me fez voltar a buscar o melhor dos mundos: Vinícius de Morais.


"Quem é homem de bem não trai
O amor que lhe quer seu bem
Quem diz muito que vai, não vai
Assim como não vai, não vem
Quem de dentro de si não sai
Vai morrer sem amar ninguém
O dinheiro de quem não dá
É o trabalho de quem não tem
Capoeira que é bom não cai
Mas se um dia ele cai, cai bem
Capoeira me mandou dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou vai ter briga de amor
Tristeza camará

Se não tivesse o amor
Se não tivesse essa dor
E se não tivesse o sofrer
E se não tivesse o chorar
Melhor era tudo se acabar

Eu amei, amei demais
O que eu sofri por causa de amor ninguém sofreu
Eu chorei, perdi a paz
Mas o que eu sei é que ninguém nunca teve mai, mais do que eu

Capoeira me mandou dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmaou vai ter briga de amor
Tristeza camará "

Thursday, February 23, 2006

Totalidade

Penso, logo existo? Que coisa mais parcial e pobre!
É como cismar que a gente tem que olhar com apenas um dos olhos.

Um Jardineiro Fiel

Por fim de tanto pensar, deixo que alguém o diga por mim:

"És linda como uma história de carochinha..."

Feito criança, heis aqui um cara maravilhado.
Que, como adulto, afirma o próprio querer.
Se ao menos você soubesse...
Creio que você sabe, não é?

(por essas e outras se descobre:
a aridez do mundo não alcança tudo)

Tuesday, February 21, 2006

Anúncio

Procura-se motivo para escrever.

Serve encomenda, beijo ou xingamento.
Encíclica papal, manchete ou verbete de dicionário.
E também os vários etceteras vagando por ai.

Sinais

Desejo-flecha
tem mira cega.

Quem vê
enxerga o que é
ou o que quer ver?

Pouco importa
o ver com os olhos.

Quem se joga, feito flecha,
mesmo se estiver cego
pode acertar.

E se acerta... se acerta...
bem, esse é flecha que nunca pousa,
com os pés fora do chão.

U2

Sintonia. Ver aquela galera toda pulando, envolvida, participando de verdade do show, cantando junto. Nossa!! Que letras e que guitarra, aberta e franca, gritando estridente como um fogo em espiral. Música que não nega a que veio, que pertence ao mundo, que mostra que sensibilidade combina com a força, que o mundo é terrivelmente maravilhoso, que mesmo na dor há sabedoria e florescimento. Eu precisava ouví-los e tinha que ser naquele dia e não em outro.

Que beleza há na união, que bom que ninguém basta a si mesmo... dobra-se o ego mas resta muito mais.

Uns olhos

Relembrando,

"Assim, pelos olhos o amor atinge o coração;
Pois os olhos são as sentinelas do coração
E os olhos fazem o reconhecimento do que agradaria ao coração possuir.
E quando eles estão em pleno acordo
E firmes, todos os três, no uno se elucidam,
E então, nasce o amor perfeito
Daquilo que os olhos tornaram bem-vindo ao coração.
De nenhum outro modo pode o amor nascer ou ter início
Senão por esse nascimento e esse início movido por inclinação."

Sunday, February 19, 2006

Nomes

A morte é um recomeço.

A vida sabe ser
bela
de uma forma
terrível.

Quem procura o caminho
teoriza
quando devia andar.

O recomeço é uma morte
sem nem ser bem
um começo repetido.

Shiva tem um pé no chão e o outro levantado.
Assim como o dragão, meu oroboro encantado
que se arrasta mas voa.

Enxergo um dragão
e ele serpenteia, sensualmente,
no ventre dela.

Minha Vênus, sem saber.

Tuesday, February 14, 2006

I Feel Free

A la Jack Bruce, Ginger Baker e Eric Clapton.

Sem laços.

Thursday, February 09, 2006

Maya me deixou pensando

Ela disse.
Fiquei pensando.
Na verdade, fiquei mais querendo que pensando.
Querendo que fosse eu.

Monday, February 06, 2006

Cansei

Deus existe,
eu acabei de inventar.

Inventei também o amor
e todos os seus
sem, ou cem, motivos.

Eu invento
logo escolho
o tanto que existo.

Thursday, January 19, 2006

Maya

Ou o que acontece quando você ultrapassa o véu de fumaça?

Talvez, envolto pela névoa, meio perdido, naquele doido enxergar sem ver, você encontre alguém que nunca esteve distante.

Pois Ela surge logo em frente, já com o rosto assim bem próximo.

Wednesday, January 18, 2006

Encontros, desencontros e reencontros

De repente você está andando por ai, mas dá de cara com um muro... na verdade, muro não descreve a imagem, mas algo te faz parar... e olhar. Você olha, sem ter nem querer forças pra passar reto.

Dai você pensa e percebe que reconhece. Rememória, você grita... dai o sentir acompanha, feito cavalo pardo veloz que segue o cavaleiro, que é o olhar.

O muro é um susto diante de algo inesperado. E o maior susto que um cara pode tomar é aquela falta de ar, aquela felicidade esbaforida de quem já correu para não chegar e que deseja, porém, sim, dessa vez, um reencontro.

Algo muito belo, que te quebra no meio, delicadamente.